quinta-feira, 18 de junho de 2009

Nota de rodapé

O escriba, em Berlim. Foto: Andréia Delmaschio.

Fui aprender as novas regras de ortografia no livro novo do Chico Buarque. É assim que se aprende, e foi sempre assim. Um dia me tranquei com o Sabino no corcel velho do meu pai e desvendei os mistérios do discurso indireto livre, embora sem sabê-lo. À noite, esperava que todos dormissem para apanhar escondido, na gaveta do irmão mais velho, os seus romances obrigatórios de secundarista debutante. Até que me deparei, num susto, com o Machado. Não me impressionava tanto que se escrevesse daquele modo, mas sim que se pensasse tudo aquilo. Foi ali que descobri, juntas, a filosofia e as notas de rodapé.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Cearenses passeais

CANDIDO PORTINARI. Retirantes, 1944.

Meu filho acordou com a gargalhada. Há tempos eu não ria em sonho. Pareceu-me que há um século eu não sonhava... Corri para apanhá-lo com a imagem dos retirantes na cabeça e uma certa culpa pelo riso descabido, despertando o angelo (quase que foi esse o seu nome) em meio a uma paisagem tétrica e a gente tão esquálida que quase me escorria pelos dedos. Cearenses passeais, li na capa, por sobre a tela do Portinari. Ri e corri para abafar-lhe o choro, sem ter tido tempo para abrir o livro e desvendar que espécie de ironia haveria ali. Seria um absurdo talvez de corajosa incorreção política? Ou uma teoria positivista justificando a existência daqueles seres que aparentavam mesmo ser de um outro planeta? Ou então se tratava de um desígnio divino a ser dito com voz tonitruante.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Aula de Yoga

Estava em pleno relaxamento quando ouvi a professora de Yoga lixando as unhas. Com o canto do olho fiquei mirando o pozinho a dançar feito um cardume de estrelas no vento luminoso filtrado pelas persianas. Um carro perdeu o freio e entrou direto, arrombando o portão. Não tem problema, desde cedo o dia já dava mostras de que seria difícil...