domingo, 28 de agosto de 2011

Seis lindas xícaras

Seis lindas xícaras me olhando da vitrine. O erre é de rato; o esse é de sapo... O xis é de que, mamãe? É de xícara! Xícaras de cerâmica, simulando o mais rústico barro, um atrativo ao contrário para quem se atrai pelos opostos emaranhados. Pareciam caríssimas perto das contas de luz e água, gás e telefone, mas mesmo assim eu as comprei e, no cuidado típico do primeiro dia, da coisa recém-adquirida, preferi levá-las a tiracolo, junto com a carteira e os óculos de sol. Tocou porém o celular e, no afobamento de atender à ligação, o embrulho caiu no chão do elevador, a despeito de todo o cuidado que lhe devotei, retirando-o delicadamente, enquanto apalpava o fundo da bolsa, à procura do telefone que tocava e tocava, e vibrava fazendo cócegas na palma da mão. Não é preciso dizer que aquele telefonema foi perdido; não lembro sequer quem foi que me chamou em tão delicada hora. É possível mesmo que tenha sido engano - é sempre por engano que lançamos fora o mais precioso. Apanhei o embrulho com pena; veio a idéia súbita de voltar ao armarinho e tentar trocar todo o jogo, mas sabia que não havia outro para troca, nem para compra; a vendedora fez questão de destacar que se tratava de um aparelho exclusivo, artesanalmente produzido. Cheguei até a mesa carregando-o como quem acalenta o animalzinho agonizante, em busca de um sopro qualquer de vida, e fui retirando as peças, uma a uma. Como tinham sido embrulhadas uma sobre a outra, em alta pilha - algo incomum, pensei na hora -, apenas o último pires, colocado sob os demais, havia se quebrado. Pelas trincas que nele se abriram, simulando um esgar de dor num rosto derrotado, suponho que, na sua fragilidade, protegeu a todos os demais, intactos após a queda de um metro. Gostaria de tê-lo recuperado com a minha colinha de geladeira, mas seria impossível, porque, além da boca dramática, abriu-se nele também um pequeno olho ciclópico. Melhor aceitar o irrecuparável da sua nova natureza. Arrumei-os então, par a par, sobre a forte bancada de pedra da copa, tomada de uma certa gana infantil de quebrar também uma das xícaras, para que não expusesse tão descaradamente a sua incompletude - e o meu descuido. Pouco depois me veio a iluminação: esperar o dia em que, por um lapso da arrumadeira, quebrar-se-á, muito mais naturalmente e sem alarde, uma das seis xícaras, estando assim novamente completo o aparelho. Por ora guardo a xícara solitária nos recônditos do grande armário e torço para que não se quebrem de uma só vez duas xícaras; ou quem sabe mais um dos pires.

sábado, 27 de agosto de 2011

Nuvens

- Mamãe, por que você está triste?
- Porque o céu está nublado.
- Eu vou pintar o céu de vermelho pra você, tá?

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Dialógica

Pablo Picasso: Mulher chorando com lenço.


- Por que você está chorando, mãe?
- Porque eu estou triste.
- Então pára de chorar pra ficar alegre!

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O amor

Kate Macdowell: Venus.

- Mamãe, eu te amo!
- E o que é que é o amor, meu bem?
- É uma surpresa, quando você olha no meu olho!

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Anchieta

Palácio Anchieta, Vitória, ES. Foto: Zig Koch.

- Mãe, isso é um castelo?
- Não, é um palácio. O palácio Anchieta.
- É aí que mora a princesa Anchieta?
- Rs.

O coração

Kate Macdowell: Entangled.

- Mãe, olha o que eu achei!...
- Ah, um coração!
- É. Eu posso colocar no seu peito?
- Pode...
- Eu vou precisar de cimento!
- Oh!

domingo, 14 de agosto de 2011

A bruxa


A mulher passava, olhando lenta, com uma pilha de chapéus na cabeça e o nariz capixaba dos negros descendentes de italianos. Tinha mesmo uma pinta alta em algum lugar do rosto, manchado pela exposição cotidiana ao sol escaldante das nossas praias.
- Mãe, uma bruxa!...
- Não, meu filho, é uma vendedora de chapéus.
- Por que ela não é uma bruxa? (O porquê aí equivale a "como você sabe que").
- Porque ela está fora do livro.
- Ahn... E por que as bruxas são velhinhas?
- Porque elas viveram muito.
- E por que elas são feias?
- Ah, porque foram bem usadas!

domingo, 7 de agosto de 2011

Inversões

- Mãe de mim, deita no meu perto!

sábado, 6 de agosto de 2011

Mamãe provedora

Flora se aproxima, silenciosa como sempre é em público, e nos mostra a panelinha de plástico cheia de pequenos pedaçoos de massa colorida, que começamos imediatamente a simular comer, imaginando ambos, muito empenhados, estar cumprindo o nosso papel na sua fantasia de mamãe provedora.
Súbito, ela cobre a panelinha com a tampa:
- Gente, isso é massa de modelar! Não é pra comer a massinha!

Os porquês

- Mãe, por que eu quero ver o filme do Scooby Doo?

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Formas

Pablo Picasso: Duas mulheres lendo.


- Mamãe, eu te ângulo!