segunda-feira, 30 de julho de 2012

Resposta difícil 2

Silêncio quase completo no escritório.
Leio Mukherjee no sofá enquanto Flora, de bruços no chão, segue colorindo seu livro de gravuras.
Os movimentos da mão são acompanhados de pancadinhas no ar entre uma e outra solas dos pés.
De repente ela se ergue e me olha fixamente, como que consternada. 
Aproxima-se atenta, olha meu livro cinzento, contempla os outros na estante e pergunta:
- Mamãe, pra que é que servem esses livros?

domingo, 29 de julho de 2012

Sereia

René Magritte: Sereias.

- Mãe, compra um rabo de sereia pra mim!?
- ?
- Mas tem que ter um zíper, tá, porque eu quero continuar andando!

sábado, 28 de julho de 2012

Despedida II

Kandinsky: Improvisação sonhadora.


Acabo de abrir uma porta
com o velho abridor de garrafas,
e, se abro vias feito vidros,
viverei a vertigem de fechá-las.

Lá dentro, no velho vaso verde,
porém de vidro vazado,
verto a penúltima sempre-viva
nos vestígios de um buquê já violado.

A vida não dá muitas voltas,
mas a cabeça é um vórtice vivo.
No enviesado jogo da verdade,
vejo você virar um vulto numa vala.




sexta-feira, 27 de julho de 2012

Popeye


People are no toys,
Popeye is a toy.
Life is no game,
The Game of Life is a game.

People play with life,
people perform in a play.
No one wants to fix a toy.





Presente para dois

Flora e Francisco, em uníssono:
- É um presente, papai?
- É sim, um presente pra vocês.
Flora, adiantando-se para apanhar a caixa:
- E você só trouxe um?
- Sim, comprei um só.
- E o Francisco vai ficar sem nada?

terça-feira, 24 de julho de 2012

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Tabu

René Magritte: Os amantes.
trampa atávica
de pelos
e olhos

- castanholas
interditadas -

cheiro de pele,
de pedra,
de poro

: sempre foi você
o nosso segredo.

sábado, 21 de julho de 2012

Floresta


- Mãe, eu adoro a floresta!
- Você quer morar na floresta?
- Não, eu quero ser a floresta!

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Na porta da minha sala

Pro seu Zé, jardineiro do Instituto, que plantou uma roseira na porta da minha sala.

Na porta da minha sala tem uma roseira
tem uma roseira na porta da minha sala
tem uma roseira
na porta da minha sala tem uma roseira.

Nunca me esquecerei desse deslumbramento
na vida de minhas retinas tão castigadas.
Nunca me esquecerei que na porta da minha sala
tem uma roseira
tem uma roseira na porta da minha sala
na porta da minha sala tem uma roseira.

Batman e Robin

- Mãe, o Robin é namorado do Batman?
- É.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Declaro


#==#==#==#==#==#=
crias de electra:
clara cerca elétrica
teclarei em torno 
da tétrica ancestral 
#==#==#==#==#==#=

Aprender a ler

Aldemir Martins: Menina lendo.


- Mãe, por que eu tenho que ir todo dia pra escola?
- Porque lá você tem colegas e é lá que a professora vai lhe ensinar a ler.
- E se eu aprender sozinho, no seu escritório?

Tédio 2

- Você compra outra casa, mãe?
- Não.
- Por quê?
- Porque eu gosto desta e não tenho dinheiro para comprar outra.
- Eu estou enjoado de morar todo dia na mesma casa!

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Last message

René Magritte: Os amantes.
Excuse-me!
I hate embarrassing people.

Seja como for,
não está mais aqui
quem amou*.










* Os últimos dois versos foram retirados do romance Sueli, de Reinaldo Santos Neves.

You and I

Santa tolidão!

Bonito

- Mãe, eu fiz xixi na Flora!
- E você acha isso bonito?
- Não, por isso que eu fiz!

Creme

- O que você passou no rosto, mãe?
- Creme.
- Hum, tem um cheirinho de noite!

Carta aberta 5

Heitor,
seu desabafo é tão humano que me faz mesmo sentir mais próxima, mais à vontade.
Não adianta eu lhe dizer que essa fase pré-defesa é assim mesmo, porque isso você já sabe.
O que eu posso lhe oferecer é o meu ombro virtual, quer dizer, meu ouvido - ou meus olhos?
Aí está: eu lhe ofereço os meus olhos.
Fale comigo tudo o que quiser. Já passei por isso, sei como é.
E costumo dizer que se a pessoa não fica nervosa e angustiada numa hora dessas,
alguma coisa está errada com ela.
Tente olhar de outro ponto de vista, se afastar um pouco:
esse pessoal da banca vai pegar um texto muito bem escrito e muito pensado,
então relaxe. Não queira dar tanto mais.
Saia e dê umas corridas no parque, libere adrenalina (isso se libera mesmo?)
E escreva sempre que quiser. Você tem uma amiga e admiradora aqui.
(Sobre a sua pergunta: eu não conheço o professor K. E. pessoalmente, quer dizer, nunca o vi
falando, mas o E. N., que foi meu orientador, falava muito bem dele; acho que eram amigos.
Usei um texto dele sobre Maurice Blanchot: "A literatura e/é o direito à morte?"
Acabo de procurar no Google Imagens a cara dele: é ótima!)
Abraços. Aguardo notícias.
Andrea.

domingo, 15 de julho de 2012

Carta aberta 4

Heitor,
eu nem queria descambar para esse tipo de lembrança, porque isso já tinha sido superado e o resto sublimado, você sabe (até ficcionalmente), mas repito que não há de quê se envergonhar.
Eu mesma não guardo nenhuma recordação ruim da sua atitude "brutal".
Pelo contrário: confesso (eu nunca tinha reparado antes o quanto eu uso esse termo) que essa foi a melhor parte. Aquela noite ainda foi importante para mim por uma razão que você nem suspeita: descobri que minha força física é grande, quase maior que a minha vontade.
Aliás (lidar com ficcionista não é fácil não, hem), estou achando, desde a sua resposta à primeira carta aberta, que quem tem manipulado o conteúdo dos e-mails não sou eu, e sim você.
Suas mensagens são primores de concisão e exemplos de escolha da palavra certa.
Muito melhores que essas cartas que eu posto aqui e bonitas demais para que eu não as traga para cá, direta ou indiretamente.
E agora você vem me dando de bandeja, pronta para que eu a insira no meu texto, uma frase como:
"Não que me arrependa de ter me jogado em
> você meio brutal,"...
Ora, Heitor, eu sou leitora - como você. Eu conheço leitores.
Uma frase como essa tem força implícita, desperta o imaginário, leva a vários tipos de comoção. Releia-a... Ainda que assim, fora do contexto, alguém possa vir a entendê-la como uma expressão conotativa, nós dois conhecemos bem a literalidade dela.
Veja só como a sua escrita começa a tomar conta, brutalmente, da minha. Suspeito que esteja fazendo mais um experimento para a sua tese sobre a autoficção.
Esteja à vontade. Matéria não faltará.
Abraço carinhoso. Boa sorte na defesa!
Andrea.

sábado, 14 de julho de 2012

Carta aberta 3

Rsrsrs,
o bom e velho Braga...
Só mesmo você para me fazer rir.
Não, não morreu ninguém - nem pai, nem mãe.
Todos vivos - muito vivos.
Você é o mesmo mato-grossense londrino que conheci:
me leva a concordar com você só para depois discordar de mim.
É uma estratégia retórica, não se pode ignorar.
E sobre que é a tese, querido amigo?
Abraços.
Andrea.
P.S.: Não há de que se envergonhar: a judô, eu prefiro sumô.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Carta aberta 2

Heitor,
você insiste em que o meu tom é de despedida -
e eu concordo.
A insistência é um dom, meu caro:
dela surge o convencimento.
Enfim: de modo involuntário, tenho me despedido, ultimamente,
de tantas pessoas e coisas que - creio -
a despedida se tornou parte da minha rotina.
Dramático? Não...
Somente quando mal se deu o encontro e já desponta o adeus.
Afinal, ciclos são ciclos, e a sua vida deve ser respeitada.
Vamos esperar, então, que termine a tese.
Beijos,
Andrea.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Carta aberta

Querido amigo Heitor Braga,
como foi, onde foi que você pressentiu um adeus?
Confesso (ultimamente tenho confessado tudo, até o que não fiz) que a sua mensagem me deixou pensando...
Você diz que eu pareço estar me despedindo de algo - ou de alguém.
Pode ser: seu faro é sempre certeiro.
Afinal, não estamos mesmo, todos os dias em que escapamos à ceifadeira, aproximando-nos ainda mais - paradoxalmente - dela?
Deve ser a parte de mim que sente isso que você, aí, captou.
Então façamos um percurso às avessas: passemos da despedida ao convite: deixe para trás esse frio londrino e venha conhecer Vitória. Aqui tem sol e caranguejo!
Beijos,
Andrea.

domingo, 8 de julho de 2012

NOVO AVISO AOS LEITORES

Caros amigos,

eu tinha me proposto dividir este blog em três para poder organizá-lo melhor, mas alguns leitores me aconselharam a não fazê-lo, para que não se enfraquecesse a "marca" já disseminada.

A ideia então passou a ser seccioná-lo apenas internamente, o que não seria possível mantendo a aparência atual, que desconfio ser o chamariz de tantas visitas: quiçá os que entrem aqui pelas imagens leiam os textos e, gostem ou não gostem, deixem seus comentários!

Além do mais - percebi depois -, a separação em prosa, poesia e diálogos fatalmente embaralharia as datas, o que, para mim, destruiria todo um histórico afetivo-pessoal, já que o blog, bio ou autoficcional, funciona como uma espécie de diário, cobrindo de algum modo o período que vai da data da sua inauguração até agora.

O Aboio permanece portanto como está.

Abraços. Obrigada pela visita!

sábado, 7 de julho de 2012

Diminutivos

- Vamos dormir, se não amanhã não podemos ir a Manguinhos.
- Mãe, por que Manguinhos é igual a Narizinho?

O coração 3

Kate Macdowell: Venus.
- Mãe, o coração tem uma portinha?

Cavaco

- Mãe, eu tenho uma vontade de comer aquele biscoito que a vovó faz!
- Qual, meu filho?
- O sovaco!

quarta-feira, 4 de julho de 2012

A beleza

Candido Portinari: Mãe Preta.
 
- Mãe, hoje eu vi uma moça mais bonita que você.
- É mesmo, meu filho? E por que ela era mais bonita que eu?
- Porque ela tinha um nenenzinho no colo!
- Rs.

Jardinagem inverossímil

No mais, mesmo, da mesmice, sempre vem a novidade.
(Guimarães Rosa)

Você que coleciona cactus, mas é daqueles sem paixão pelo cuidar e acha que assim está bem, porque realmente eles não dão muito trabalho... não se iluda: pouca luz, muita luz, muito sol, água pouca, uma vez por semana, jamais água, se for mandacaru dos grandes... esquece: todos eles trazem os seus espinhozinhos escondidos (às vezes sob flores minúsculas e desbotadas das quais você vinha se gabando, como se pudessem ter sido fruto da sua falta de cuidado, ahahah): um dia, quando você resolve perder seu tempo indo até a floricultura em busca de um fertilizante líquido, "fácil de aplicar"... chega em casa com ar vitorioso, vitoriano quase: então você tem que remover um dos pequenos vasos, para não molhar o porta-incenso que fica ali ao lado, e é justo nessa hora que ele crava no seu polegar aquele espinho minúsculo que vai lhe incomodar por uma semana, transformando-se, às vezes, em calo.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Eus

Candido Portinari: Menina sentada.
 
- Mãe, eu sou mais bonita do que eu?

O coração 2

Kate Macdowell: Escultura em cerâmica.
 
 
- Mamãe, abre a minha barriga!
- O quê!?
- Eu quero ver o coração.