quarta-feira, 29 de maio de 2013

recado

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
não passe pela minha rua
ela não é caminho
pra lugar algum
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

terça-feira, 28 de maio de 2013

mico

 
 
 
 
 
 
 
 
eu disse
não
ele fechou os olhos
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

domingo, 26 de maio de 2013

Aula de pintura

Candido Portinari: Denise Portinari e seu cão.
 
- Olha só o que eu desenhei...
- O que é isso, meu filho?
- É um prédio queimando fogo e as pessoas pulando pela janela.
- E isso atrás do prédio?
- Um tsunami chegando.
- Nossa! E isso aqui embaixo?
- São os carros batendo.
- Meu filho, por que desenhar tanta desgraça?
- Porque eu sou um pintor, mamãe. Um pintor tem que pintar as coisas que acontecem no mundo.

Novas perguntas difíceis

- O que é o vento, mãe?
- É o ar se movimentando.
- E o que é que faz o ar se movimentar?
- !?

sábado, 25 de maio de 2013

Fatura (por debaixo da porta)








Pois infarte!
Estou farta de senso comum.
Hoje comerei fora.













 

Mergulho

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Mergulhei para fora das suas pupilas.
Imediatamente
você me piscou um olho.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

O cofre

- Como é que se abre esse cofrinho, mãe?
- Com a chave. Cadê a chave?
- Hum... tranquei dentro dele!

Namorar

- Mamãe, se você usasse uma peruca e não fosse nossa mãe, a gente poderia namorar com você?

Fim do mundo

Um sábado inteiro em silêncio. Frio e chuva fina em Vitória. Ninguém sai de casa, ninguém entra nos blogs. Os carros levantam as saias, delicadamente, para passar. As crianças olham as nuvens, os caranguejos se encolhem sob a lama, as paredes enchem de bolor. Os vizinhos todos dormem e, quando acordam, pedem pizzas. Mesmo as motos de entrega fazem pouco barulho - ou então ele é abafado pela preguiça de uma população inteira, já transformada em algo como uma massa abafando as casas. As pessoas passam encapotadas, sob o frescor de 22 graus. A praia parece um cenário de filme, algo impossível, visto por detrás do vidro. É tanto o silêncio que o próprio pensamento, enquanto escrevo, soa alto demais. Quando chove, o mundo acaba em Vitória.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Terceiro tempo

Cícero Dias: Composição, 1928.
 
 
Eu lhe disse que não era eu:
nunca estive
onde você me procurava -
e nem precisei dizer não.

Depois, quando o desejei,
você estava ocupado
amamentando fantasmas.

Agora sou eu quem recusa,
quem teme e adia,
quem não quer e se ocupa.
E nem precisa dizer não.

Madrugada

 
 
 
 
 
Caminhando atrás de ti pelo sereno
eu só vejo as gotas na tua nuca:
onde será que vai cair tanta estrela?
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

domingo, 19 de maio de 2013

Cinderela e Rapunzel

- Mamãe, vamos brincar de Cinderela e Rapunzel?
- Vamos.
- Eu sou a Cinderela e a Rapunzel!
- E eu?
- Você é o cachorro.
- !?

O ABOIO

Vassoura velha da vovó. Foto: Francisco.
 
apesar da primeira pessoa
isto não é
um diário
confessionário
não é um divã
uma latrina ou
a lixeira

apesar de você
isto é
artesanato
artifício
é uma peça
num outro jogo:
a coleção de máscaras

isto não é um fantasma
isto é o aboio

sábado, 18 de maio de 2013

Sustos

- Mãe, se eu morrer, você vai dar os meus brinquedos?
- Ixi!
- Tem que dar rápido, pra outra criança brincar antes de crescer.

Na casa da vovó 2

- Quando as pessoas morrem, o que acontece com as casas delas?
- Ficam para outras pessoas.
- Quando a vovó morrer, a gente pode vir morar aqui?

Hoje

Mãe, quando amanhã for hoje, a gente vai aonde?

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Beira-mar II

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Cada passo
que faço
é uma garça
que passa.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 


Beira-mar I

 
 
 
 
 
 
 
 
Na beira-mar
os peixes vêm sujinhos
mendigar um biscoito
à borda do passeio.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

terça-feira, 14 de maio de 2013

À brasileira

Van Gogh: Natureza morta com absinto.
 
 
 
Você é tão bonito
boiando
na feijoada!
 
 
 
 
 
 

segunda-feira, 13 de maio de 2013

À chinesa

Van Gogh: Noite estrelada (detalhe).

Há dias te espero
olhando na janela.
Uma gota persiste
na minha cabeça.





 

domingo, 12 de maio de 2013

À peruana

Nicolas De Largillière: Estudo de mãos.


Cortei os pulsos
sem querer
preparando o ceviche.
Ficou uma delícia!




 

Poderia estar matando 5


Lado A

Perna ganhada do governo não presta não. Perna boa mesmo é a que vem dos Estados Unidos, aquilo é que é perna de se andar, de dar prazer de andar. Eu já ganhei duas perna do governo, essa e a outra. Mas a outra eu devolvi pra eis porque era muito pesada. Adispois que eu devolvi é que eis me dissero que valia mil real. Eu não era pra ter devolvido não, era pra ter guardado pra mim, de lembrança. Mas perna boa é um carro zero quilômetro o preço dela. As outra só serve pra fazer a gente carregar dez quilo a mais dos quarenta que a gente já carrega de corpo.

sábado, 11 de maio de 2013

Poderia estar matando 4


Lado B


Quando ele era criança ele teve câncer de cair os pedaço de carne. Aí Jesus curou ele. Eu que orei por ele. Um dia eu disse ao Pastor eu não sabia que Jesus era assim não. Jesus é o bem maior que a gente tem nessa vida. Jesus é o nosso amor. Eu estava lá no templo quando Jesus me abraçou e me beijou. E curou ele. Agora está aí, na perdição. Inté a doença voltou. Eu quero ver quando chegar a hora do Juízo Final. Vamos ver se ele é mais poderoso do que Jesus.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Poderia estar matando 3


Lado A


Senhores passagero, peço a todos um minuto dêee atenção... Senhores passagero estou vendendo estas balinha pela humilde importância cinquen’centavos, porque sei que é melhor trabalhar do que roubar. Depois enfio essa merda na cara do primero fila da puta. Tenho cinco irmãos que dependem de mim pra alimentar, caralho, minha mãe é aleijada e não pode trabalhar. Ajude a sustentar minha família. Que Deus proteja todo aqueles que ajudarem e aqueles que não ajudarem também. Muito obrigado pela atenção, bom dia e boa viagem. Cacete.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Poderia estar matando 2


Lado B
 
Senhores passageiros, gostaria de pedir um minuto da atenção de vocês... Estas marcas que os senhores podem ver no meu rosto são resultado de um terrível acidente de trânsito que há oito anos me tirou a visão e me impossibilitou de continuar trabalhando. Tenho cinco filhos menores, sendo o mais velho este que aqui me acompanha. Peço, àqueles que puderem colaborar, que doem qualquer quantia. É duro ver um filho com fome e não poder fazer nada. Muito obrigado pela atenção e Deus acompanhe todos vocês.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Poderia estar matando


Se você não me matar, você me mata! (Maurice Blanchot)

Lado A

pooor favooor... será que algueim de voceis teeem um real ou cinquen’centavos pra me arranjar? heeeim geinte? será que alguém de voceis tem um real ou cinquen’centavos pra me arranjar pra mim poder tomar um café? só pra mim tomar café com pão, geinte! heeeim geinte, será que ningueim de voceis tem cinquen’centavos pra me arranjar? cinquent’centavos, geinte. se tiver eu agradeço. se não tiver, eu agradeço do mesmo jeito.

domingo, 5 de maio de 2013

Coincidência (tradução)

Desligo a tevê.

Em meio a tanto fim de mundo,
acendo um cigarro.
Por detrás da fumaça,
a lua cheia na janela
me dá um susto e,
por um instante,
quero entregar tudo a você.

Sem o vinho, sem a noite, sem a roupa,
de qualquer jeito, por aí,
antes que venham me tomar a casa.

Porque é largo o deserto,
fantasiando-me à majestade,
a você concedo um último desejo.

Ainda que não coincidamos nele,
você dirá que me ama
e eu direi que me encanta
a sua persistência,
mas no fundo o que me encanta
é aquilo que eu não tenho
e isso inclui você todo entregue -
sem o vinho, sem a noite, sem a roupa.

Isso inclui a sua entrega
e a mentira de que
o que você quer sou eu,
sabendo embora que
o que você quer
no fundo não sou eu,
mas aquilo que você não tem -

e ao menos nisso coincidimos.

Tradução de "Nobody knows", canção do grupo irlandês Back in Jacket.

sábado, 4 de maio de 2013

Uma nova mulher

Cícero Dias.

O estranho é o seu próprio problema. (Zygmunt Bauman)


Boa tarde, minhas queridas. Estranharam a nova decoração do palco? Éééééé... hoje é um dia muito especial, porque nós vamos iniciar o nosso programa falando de uma novidade no mercado: Esta cadeira, na qual eu estou sentada, não é uma cadeira qualquer! Vejam bem: a cadeira Maxi-flex é a única totalmente reclinável, e assume quatro diferentes posições.
 
A primeira, que eu estou utilizando agora, deixa suas costas eretas e permite que você faça todo tipo de trabalho manual sem se cansar, porque possui os exclusivos braços Ultra-flex, que acompanham os movimentos dos pulsos (movimenta circularmente o microfone).

A segunda é esta, uma posição de meia reclinagem. (aperta um botão sob o assento e reclina a cadeira): ideal para assistir a TV.

A terceira posição deixa você ainda mais relaxada, e é excelente para aquelas que não dispensam uma boa leitura (reclina a cadeira um pouco mais). Tudo isso com apenas um toque, sem qualquer esforço.

A quarta posição da nova cadeira Maxi-flex, e nossa grande novidade, é esta, totalmente deitada. Pode reclinar sem medo de cair (reclina e segue falando deitada, alongando um pouco as vogais, os olhos semicerrados, como se tivesse sono, a câmera focando-a do alto). Aqui você vai ter um sono tranquiiilo, relaxaaado, com conforto e segurança.

Agora ela já se ergue bocejando e alongando o tronco, como se tivesse acabado de acordar: Não tem como não ser feliz numa cadeira Maxi-flex! E você pode adquirir a sua agora mesmo. Sabe por quanto? Não, é demais, você não vai acreditar. Por apenas 1,99 por dia. Éééééé, é isso mesmo: 1,99 por dia. O que é que você faz com 1,99, minha amiga? Ligue agora: Zero operadora onze três um quatro dois treze vinte e sete. Você está esperando o quê? As cem primeiras pessoas que ligarem vão receber inteiramente grátis o Manual de Instruções e um protetor plástico especial, para garantir vida longa à sua cadeira. Repetindo: Zero operadora onze três um quatro dois treze vinte e sete.

Aplausos.

Minhas amigas, agora nós vamos acompanhar o caso de Janiscleide, que teve a carta selecionada pela direção do programa. Vocês estão lembradas da Janiscleide? Ela esteve aqui na semana retrasada e contou a nós a sua história. Vamos ver as imagens...
 
No telão é exibido um resumo do resumo da vida de Janiscleide, levado ao ar quinze dias antes. A mulher é filmada de biquíni, em diferentes ângulos. Depois aparece um close de seu rosto, com olheiras, e um sorriso triste, com poucos dentes. No rodapé da tela, lê-se: Janiscleide é empregada doméstica e mãe de duas meninas. O telão mostra ainda a casa e as filhas de Janiscleide.

Agora vamos ver o que diz o especialista que nós contratamos para analisar esse caso. Aparece no telão o especialista, de branco, caneta na mão, por detrás de uma mesa sobre a qual estão espalhados, perto de uma revista Capas, alguns livros cujas lombadas é impossível ler:
 
Bom, nós estivemos estudando cuidadosamente o caso da senhora Janiscleide (a mulher está sentada diante dele, vestida com um blusão largo, de material sintético) e estivemos constatando que ela precisa de intervenções de vários tipos. Nós, da Clínica Beauty Business, vamos estar propondo para ela uma lipoaspiração abdominal (entra o áudio da platéia, com os aplausos), aplicação de silicone nos seios, bronzeamento artificial, um peeling esmeralda, corrente russa, drenagem linfática, plástica facial completa - pálpebras, nariz, boca, queixo e papada (aplausos efusivos) -, botox, implante de dentes, cabeleireiro, manicure, pedicure, fio de ouro e terapia de correção postural (ovação da platéia).
 
Retorno ao auditório. Algumas pessoas ficam de pé para aplaudir. No rodapé da tela aparece a inscrição: Janiscleide é rejeitada pelo marido porque é feia.

Vamos acompanhar o passo a passo de Janiscleide, diz a apresentadora. Ela fez todo o tratamento em duas semanas.

Surgem cenas de centro cirúrgico: primeiro o abdômen é subdividido pela marca da caneta, depois uma agulha muito longa e aparentemente flexível é fincada energicamente em diversos pontos do músculo lombar, para sucção da gordura. A seguir aparece um antes e depois dos seios de Janiscleide, imagem que arranca gritos de surpresa da platéia.

A animadora acrescenta: Durante quinze dias ela ficou entregue às melhores clínicas, salões e spas do Rio de Janeiro, sempre com uma máscara cobrindo o seu rosto, porque a transformação uma surpresa, antes de tudo, para ela própria.

Aparece a imagem da mulher no salão, com a máscara, tendo ao mesmo tempo o cabelo cortado e as unhas pintadas e, em seguida, deitada de biquíni num tubo para bronzeamento artificial.

Somente depois de completo todo o tratamento ela poderá se olhar no espelho, o que fará hoje, aqui, diante de vocês. Tragam o espelho, por favor! É trazido para a frente do palco um espelho oval, de aproximadamente um metro e meio, sobre rodas. Na borda, rosáceas azuis e douradas mal acabadas. Noutra cena aparece apenas a mão de Janiscleide, escolhendo entre alguns vestidos longos, dispostos em araras.

Gente! Minhas queridas! Daqui a pouco nós vamos receber no nosso palco uma nova Janiscleide. Simulando não resistir à curiosidade, a apresentadoraai do palco e entra no camarim, ao encontro de Janiscleide. Demora-se alguns minutos, enquanto solta de lá, ao microfone, gritinhos e interjeições de espanto. Retorna ao palco sorridente. Põe a mão sobre a boca, em sinal de admiração, e diz, alongando as pausas entre as palavras: Vocês não vão acreditar no que vai acontecer aqui! É simplesmente in-crí-vel! No rodapé da tela, a nova inscrição: O corpo e o rosto de Janiscleide foram completamente transformados.

Atenção, atenção! Acaba de nascer uma nova mulher! Meu Deus! Ela está ir-re-co-nhe-cí-vel! Pode entrar, Janiscleide. Entre, por favor. (No telão ao fundo aparece Janiscleide, se aproximando pelo corredor que conduz ao palco). A apresentadora prepara o público: Gente! Mas é esse mulherão todo!? Entre, Janiscleide! Pode entrar!

A mulher entra com a máscara e bastante atrapalhada com as pontas do vestido. É esta mesmo a sua mãe, Jennifer, pergunta a apresentadora olhando na direção de uma das meninas, sentada na primeira fila. A adolescente parece confusa. Não sabe ao certo se deve responder que sim ou que não. A animadora anima: Tinha uma barriga muito grande a sua mãe, hem!? E mantém, coquete, um arzinho sério, enquanto a platéia solta o riso.

O vestido negro ajuda a realçar o novo corpo de Janiscleide, que caminha com dificuldade sobre os saltos. A apresentadora lhe entrega um microfone. Eu posso agradecer, pergunta Janiscleide, se aproximando para abraçar a apresentadora. Esta a afasta com o braço que segura o microfone, esticando o cotovelo e situando-a no melhor ponto para o close: Agradece, pode, mas antes olha pra lá. Pera lá, não chora não, não chora ainda não, pra não estragar a maquiagem. Olha praquela câmera ali e fala pro seu marido, que está assistindo, fala, fala, fala tudo que você tem vontade!

Janiscleide tem sotaque paraibano. Tomada de forte emoção e insegura sobre a sua nova imagem, que ainda não contemplou, ela mutila as palavras e vê-se que preferia nada dizer, mas aos poucos, entre soluços e lágrimas, cede aos apelos da apresentadora: Júnior, você dizia que eu não era mulher pra você. E agora, Júnior? Você dizia que ia pro boteco encher a cara porque tinha desgosto de ter uma mulher tão feia. Você dizia que tinha vergonha dos seus amigos, que qualquer baranga na rua tinha o corpo mais bonito que o meu e que o meu lugar era na beira do tanque com a barriga molhada, lavando as suas cuecas. O quê que você acha agora, Júnior?

Dá uma rodadinha, Janiscleide, mostra pra ele a nova mulher em que você se transformou, a animadora instiga. É i-na-cre-di-tá-vel! Não é, minhas amigas? O público repete: Éééééé!

Janiscleide roda desajeitada, a cabeça sempre baixa.

Agora! Chegou a hora! Preparem-se para o que vocês vão ver! Nós temos aqui uma nova mulher! Olhando para esta câmera, Janiscleide, tire a máscara. E depois caminhe em direção ao espelho. Pode tirar a máscara!

Janiscleide retira a máscara, mal encara a câmera e segue para o espelho, no qual parece realmente não se reconhecer. O público solta um óóó. A princípio ela estaca séria, com o mesmo olhar triste que já se via em sua primeira imagem e, desviando-se furtivamente de seu reflexo, começa a chorar inibida, a mão cobrindo a boca convulsa, como quem se envergonha de chorar diante de um estranho. Até mesmo seu choro traz o acento paraibano, e as maçãs do rosto, muito saltadas, não puderam ser de todo disfarçadas pela maquiagem. Contudo as rugas de expressão que havia em torno da boca e que agora comporiam a máscara do choro sumiram completamente com a aplicação de botox. O cabelo foi tingido e os cachos crespos se renderam à escova progressiva, mas a doméstica paraibana que o marido rejeita continua presente ali, sob a derme, os cabelos e as roupas de uma atriz global.

A câmera alterna agora entre o novo rosto da mulher e as suas filhas, sentadas ao lado de uma amiga, obesa, de Janiscleide. O que você acha, pergunta a animadora à amiga obesa, que chora: Ela merece, porque ela tem muita fé. Ela rezava todas as noites para vir ao seu programa. Ela escreveu mais de duzentas cartas. Ela sempre soube que um dia ia conseguir. Era o sonho da vida dela.

A animadora encerra o programa, dizendo: Às vezes, algumas pessoas me param na rua pra perguntar se tudo isso aqui é armação. Eu respondo: Como, armação? O nosso programa é de u-ti-li-da-de  pú-bli-ca.
 
Aplausos.
 
Na tela, seu rosto enérgico se aproxima. Nós temos muito respeito pelos participantes e pelo público. E num tom um pouco mais duro, balançando a cabeça e lançando para a câmera um olhar ensaiado de pantera: A gente aqui não está tratando só da aparência, a gente está cuidando também de almas!

Aplausos.

No rodapé da tela se lê: Janiscleide é uma nova mulher.