domingo, 29 de setembro de 2013

saneamento básico


De Chirico: Retorno de Ulisses.
 

uma nuvem de poeira
cobre meus olhos
 
cada vez que eu passo
em frente a sua casa.
 
meu corpo inteiro treme
com a trepidação dos pneus
 
- como a sua rua tem buracos!
 
quando chegar a estação das chuvas
eu vou seguir bem lenta
 
lançando um esguicho de lama
no seu portão
 
feito um cachorro
faz num poste.
 
mas os oceanos estão subindo
e você mora perto do mar:
 
uma avalanche de lama
há de cobrir a sua casa.

sábado, 28 de setembro de 2013

Desdefinindo

- Mãe, por que nessa revista o Laerte está vestido de homem?
- Não é o Laerte, meu bem. É a Iriny Lopes.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

fagia

 
 
 
 

 
 
 
somente uma vez
ainda
 
sobre as brasas
de ontem
 
te devorar









 

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Diálogo na academia

A senhora de idade média, para o professor:
- Às vezes eu me pergunto se Deus aprova que eu vista essa roupa, que eu fique nessa posição, que eu use essa máquina.
O professor:
- Hum, tem razão. Se Ele tiver alguma formação em fisioterapia, vai preferir que a senhora passe para aquela máquina ali, que força menos o pescoço.
- Por que será que Deus planejou isso pra mim?
- Hum... Deve ter sobrado algum tempo livre, afinal Deus é um só, não é mesmo? E ele tem de deliberar sobre a condição de todos os seres humanos...
- Claro que é um só, meu filho. E o nosso destino está nas mãos dele!
- O dos etíopes também, creio.
- Lógico, desses aí também.
- A vida de Deus não deve ser nada fácil, não é? Pensar cada molécula, cada guerra, cada ser humano... E ainda a roupa da senhora...
- Ó, meu filho... Que heresia sem tamanho!
- Não, senhora. A he-re-sia veio da senhora. Isto que eu faço é uma i-ro-ni-a. É que um Deus assim como a senhora imagina teria de conhecer os tecidos mais adequados a cada situação, para incutir na sua mente a boa opção, na hora de escolher a roupa certa para vir à academia como cristã. Talvez fosse mais fácil - digo, mais justo - inspirar de uma só vez a todos os modistas e produtores de roupas esportivas, e os empresários do ramo também. Podiam produzir uma túnica de academia que agradasse ao Senhor - inconsútil. A Senhora, como boa cristã, sabe que A túnica era inconsútil? Sabe o que significa isso?
- Não, meu filho. Mas Deus não está do lado do saber. Ele está do lado dos bons de coração.
- Pois eu sempre achei que Deus emanasse sapiência... Algum tipo de sapiência, mas uma sapiência tão grande que seria incompreensível para a maioria, e que alguns acreditariam compreender. Mas, enfim... Vamos para o alongamento!

De como num blog, sob o influxo da imediatez, pode-se publicar qualquer coisa...

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
etcétera
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

sábado, 21 de setembro de 2013

NO MEIO DO PAPEL


No meio do papel da padaria
tinha um poema do Drummond
tinha um poema
no meio do papel do pão.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do papel
Tinha um poema
Tinha um poema do Drummond
No meio do papel do pão.


quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Aprendendo a argumentar

- Você acredita em Deus, mãe?
- Não.
- Mas ele existe.
- Se você acredita...
- Olha só: o ar. O ar existe, mãe?
- Existe.
- E você vê o ar?
- Não.
- Então: Deus existe, só que você não vê!
- Mas essa comparação não vale, meu amor. São coisas diferentes.
- Por quê?
- Porque com o ar eu posso encher uma sacola.

Se e quando

Rodrigo Braga.
 
- Mãe, se você morrer, eu vou me matar.
- Não, meu filho! Não! Não pode ser assim, não!
- Mas como eu vou viver sem você? Eu não quero viver sem mãe.
- Ninguém quer, meu filho, mas, quando isso acontecer, é preciso que a vida continue. Existem muitas outras alegrias, você vai ver.
- Mas eu vou ficar triste.
- É normal ficar triste, mas não se deve desanimar. A vida é desse jeito: acontecem coisas que a gente não quer. Você fica triste e, depois de um tempo, fica alegre de novo. Combinado?
- Não, eu não vou combinar nada disso com você.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Tédio 3

- Hum... Acho que você vai ter de crescer primeiro. Eu não quero me mudar daqui, e também tem o meu trabalho... E, enfim, eu gosto muito deste apartamento, e não foi fácil comprá-lo...
- Já entendi. Você não vai comigo pro Rio de Janeiro.
- É, por enquanto não.
- Hum...
- Vamos dormir, agora?
- Hum... Com quantos anos uma pessoa pode se mudar?

Tédio 2

- Mas, meu bem, uma mudança é muito complicada...
- Ficar sempre morando no mesmo lugar é que é complicado!
- Você enjoou daqui, foi?
- Enjoei, eu quero mudar!
- E você pensou em se mudar pra onde?
- Não sei... Vamos pro Rio de Janeiro!?

Tédio 1

- Mãe, por que a gente tem de morar sempre na mesma casa?
- Não tem não...
- Então vamos mudar daqui?
- Por quê? Você não gosta daqui?
- Gosto, mas eu quero gostar de outro lugar, também.

sábado, 14 de setembro de 2013

Desastre

Tu, tu pisavas os astros distraída.
(Sílvio Caldas e Orestes Barbosa)


chega de sexo
dessa neve eu já sorvi
o colchão agora
é sem lençol
 
ou então com aquela colcha
que espeta
cheia de estrelas
que você detesta
 
meu corpo agora vai
pra um canto ensolarado
 
sente-se você
sobre os cacos da garrafa
 
e desligue o celular
 
não há o mínimo risco
 sem qualquer sombra de dúvida
de que eu volte
 jamais
a lhe telefonar

 

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

despedida




oui
oui
eu
eu
eu
you
...
we
...
é




 

rotina dolosa

 
 

 
 
I
I
I
 
you
you
you
 
 
 
 
 
 
 

terça-feira, 10 de setembro de 2013

persistência


 
 
 


 
 
 
oui
we









 

sábado, 7 de setembro de 2013

nós no mínimo

 
 
 
 
 
 
 
 
 
eu e u
 
 


 
 
 
 
 
 
 

Mostrando as garras

Ismael Nery: Autorretrato, 1927.
 
- Olha aí, mãe. Eu entornei a pipoca toda no chão!
- Não tem problema, meu filho.
- Tem, sim! Eu fiz de propósito!
- !

Rimas

- Mãe, você sabe que eu já sei escrever gato, pato, rato... Eu só sei escrever um monte de rimas... Quando eu crescer, eu vou juntar muito mais palavras... Eu vou juntar palavras que não rimam. Eu vou escrever coisas que você nem sabe que existem.
- Rs.

Lenda

- Mãe, a nossa história vai virar lenda.
- É? Quando?
- Quando a gente morrer, ora...

Amuado

Cícero Dias: A noiva (detalhe).
 
- Papai, o Francisco está amuado; ele disse que não gosta mais da mamãe...
- Ah, que coisa feia...
- Está vendo o que ele falou da sua ex-namorada?

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Diferença

- Mãe, qual a diferença entre Chico Buarque e Chico César?

Inclua-me fora dessa

Na propaganda da escolinha:
"Iniciação a oratória, marketing pessoal e etiqueta social."

O poderoso depreciador de ritmos

- Mãe, o Lucas falou que não pode cantar funk, porque o deus não gosta... De que tipo de música o deus gosta?

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Ponto de vista

- Todos os dias são bonitos?
- Depende do ponto de vista.
- Ponto de vista é o quê?
- É um modo de ver as coisas.
- Por exemplo...
- Por exemplo: se o sol estiver brilhando e eu não puder sair de casa pra tomar sol, eu posso achar o dia feio. É o meu ponto de vista.
- E se você olhar pra rua, da janela, e tiver alguém tomando sol? O seu ponto de vista fica feliz?
- Isso, isso, fica sim, porque pelo menos alguém está tomando sol.
- Mas aí é o seu ponto de vista ou o da pessoa?
- Hum... É o meu, passando pelo dela.
- Entendi.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Cartaz

Os gêmeos: Grafite.
 
Francisco, de papel e caneta na mão:
- Mãe, você faz um cartaz pra mim?
- Pra colocar onde?
- Na porta do meu quarto.
- E você quer que eu escreva o quê?
- Escreve assim: "Não entre nem bata na porta. Nos próximos mil dias, estarei desenhando."