quarta-feira, 26 de junho de 2019

um corpo


Para o Hamison


pela rua,
entre canteiros
e asfalto, corre
um corpo de vantagem

por mais palpável
que se faça
a sua imagem,

sob roupas e bolsas
perfumes, saltos,
maquiagem,

sorrisos, olhos
e gritos,
sonhos e planos,
chantagem,

um passo, o salto
na praça, no beco, ponte ou baraço
e valsa a valsa com o nada
na celestial pastagem.


domingo, 16 de junho de 2019

Pão caseiro

Primeiramente, é preciso que o fermento seja vivo.

A massa deve ser trabalhada dia após dia, delicadamente no início, para que esteja suficientemente macia quando chegar o momento do corte. Não é bom, no entanto, que amoleça demais, para não escapar entre os dedos durante a manipulação. Se você se demorar muito nessa fase, é possível que não consiga, quando necessário, removê-la dos dedos com facilidade. 

Deixe o recheio para inserir no dia de assar. Um dos segredos (diz-se quase mistérios) de um pão assim é não revelar nunca antes a guarnição. Quando se trata de um pão de Natal, há quem chegue a guardá-la na casa de um amigo. Assim, se estiver preparando um pão de nozes, anuncie pão de passas, e vice-versa.

A farinha branca, proveniente dos trigos ainda verdes, são mais frágeis e suscetíveis, aderem ao movimento da mão e darão excelente resultado. Sob forte manipulação, darão mais que pães: podem resultar em ricas pizzas e, quem sabe, com paciência e um tempo maior e mais sutil de fermentação, num bolo surpreendentemente saboroso e que pode render bastante. 

Não é má ideia ir provando sempre um pouquinho, para sentir a firmeza da massa.

O único ingrediente raro dessa nossa receita é a paciência.

No período final será bom, antes de levá-la definitivamente ao forno, que se afastem a família e os amigos, para que ninguém mexa na massa, sob pena de desandar o ponto longamente trabalhado.

Pode ser que na última etapa a massa pareça murcha, crie manchas ou bolhas. As manchas são o resultado da sova, e é natural que surjam com algum retardo. É este o momento certo, e não deve ser adiado, para o corte e o assamento.

Agora, os últimos preparativos: certifique-se da temperatura do forno. Unte bem a forma com óleo e farinha, para que não grude, assim não ficará com aparência de pão sovado.

Para a assagem, não são necessários mais que vinte minutos de forno, a não ser que você prefira uma massa mais morena. Nesse caso, é preciso estar atento para o risco, então, de que passe do ponto. 

Depois de assada, deixe esfriar por umas horas, antes de chamar os comensais.

Bon appétit!




quinta-feira, 13 de junho de 2019

Andréia




EU não sou uma mulher;
eu sou uma CASA.






quarta-feira, 12 de junho de 2019

Angu de ossos

Primeiro se preparam os ossos, retirando-se todo o sangue e os restos dos filamentos de veias e nervos - e não precisa ser um processo consciente. 

A ossada pode proceder de qualquer animal, de qualquer tipo, e, às vezes, nem mesmo de um animal. 

Na maior parte das vezes, os ossos foram desenterrados, mas não se sabe. 

A camada de ossos deve ficar sempre bem escondida. Deve ser como se um cachorro tivesse tentado esconder esses ossos. Isso é parte fundamental da receita. 

Em hipótese alguma se deve olhar para o angu e ver um dedo ou uma ponta de joelho escapolindo da pasta amarelada - especialmente pontas de pé, dedos e cotovelos. Essas partes jamais devem aparecer.

Por cima da camada de ossos, arruma-se cuidadosamente o creme - denso - de fubá cozido. 

Nosso angu deve ser preparado com um pó sempre novo, renovado. 

Existem fubás mais escuros, amarronzados pela ação do tempo, ou porque se misturou muita coisa ali. Existe um fubá em que foi misturado, intencionalmente, um pouco de coloral, para disfarçar a palidez do milho. Muita maisena resulta numa liga mais clara e forte, mas não favorece o paladar. Melhores mesmo são os pré-cozidos, esses que se vendem em pacotes de meio quilo, de diversas marcas. 

É importante lembrar que meio quilo de fubá resultará numa cama de ossos agigantada. Portanto, seja cônscio: se não tem experiência com angu de ossos, cozinhe por partes, um pouco de cada vez, e vá juntando numa caminha à parte.

Mantenha a família distante nessa hora.

Não é um prato que demande muito tempero. No Espírito Santo, os descendentes de italianos preparam a polenta apenas com água e sal. Se você tempera, é angu à baiana. O angu à mineira não leva nem mesmo sal, e não há ossos que esconder ali. 

Que ninguém nos pergunte se o angu pode ser feito previamente.

Aliás, se os ossos têm existência prévia, o angu é feito para escondê-los. Nunca se ouviu dizer que alguém gerasse ossos para pôr sob o angu.

Não é porque há angu, que haverá ossos. E vice-versa.

Crianças devem ser avisadas sobre o recheio, porque o nosso prato, obviamente, semelha uma armadilha. 

É muito importante que, por fora, a aparência seja sempre a de angu: mole e suave.

Pode-se enfeitar com folhinhas de coentro. Alguns preferem arruda.

O angu de ossos será sempre servido quente, muito quente. Porém, às vezes, será devorado frio, muito frio.

Serve bem a duas, dez ou duzentas pessoas.

Bon appétit!



segunda-feira, 10 de junho de 2019

a falta



não é tua
a falta
que falta

a falta 
que faz 
e estala
os ossos
do abraço 

é do meu
o que foi
dado
tomado

não volta mais