Não que a existência dele, por si
só, me incomodasse. Desde a última operação, havia se convertido em apenas um
pedaço de carne batendo no peito, mas, a cada vez que passa por mim o espadachim,
sinto como se uma espécie de ímã tentasse romper a pele. Nessas horas, o
invasor dança, freneticamente, para um lado e para o outro, sem que eu possa
interferir sobre a sua atuação, e o incômodo, o susto, depois a angústia dão
medo de morrer, trazem tremuras, taquicardia e falta de ar, a cada vez que eu o
vejo se aproximar, mesmo quando vem sem a espada.
- E foi assim, doutor, que resolvi retirá-lo, mais uma vez, do seu ninho – com a mesma faca com que eu já o havia extirpado uma vez. A mesma que usei quando quis pô-lo de volta...
Numa manhã igual às outras, fiz uma nova incisão, sobre a mesma cicatriz da primeira e da segunda, só que, agora, com um pouco mais de dor, talvez pela precaução – tive mais tempo para deliberar. Enfiei a mão por entre as costelas, vencendo jorros de sangue, rompendo teias de artérias. Desta vez, por alguma razão, ele me pareceu mais arraigado. Quente, na minha mão, ainda pulsava forte e exalava um odor adocicado, que me fez pensar, por um instante, na esperança.
Aproximei o ouvido direito de uma das válvulas, de onde se escapava o batido de um mínimo tambor, num ritmo bobo, tolo, tonto, tosco. Desta vez, não foi tão fácil fechar o corte, que, espero, cicatrize rápido. De modo inédito, tive de pôr no seu lugar um chumaço de algodão, para que a área não erodisse ou assoreasse.
Cuidadosamente, deitei-o, ainda
morno, sobre a tábua de carne, previamente lavada. Retirei a pele, alguma gordura,
ramos de nervos e veias. Cortei-o inteiro em pequenos cubos. A textura é muito macia,
numa parte, e um pouco mais densa, na outra. Marinei tudo no limão por longos
minutos, antes de mergulhar em um caneco de água fria. Piquei um dente de
alho e meia cebola branca, cuidando para que tivessem as mesmas dimensões do
ingrediente principal. Em seguida, esterilizei um vidro e arrumei os cubinhos
lá dentro, por entre as camadas de cebola e alho. Acrescentei uma boa colher de
azeite e duas pitadas de sal. Finalizei cobrindo com vinagre até perto da
borda. Com a tampa bem enroscada, guardei na geladeira sob cinco graus. A duração
é de seis meses.
- Acabo de ver o espadachim no fim
do corredor. Fatalmente vamos nos cruzar em segundos. Farei o primeiro teste de
resistência pós-operatória.