Uma menina entra no ônibus na praça da goiabeira. O motorista acelera. O cobrador cobra. Perto da porta, a menina abre a boca. Uma jujuba cai no canto do ônibus. A poeira de imediato se gruda nela, enquanto a boca se fecha, seca. Outro pó, imperceptível, vai se acumulando sobre a boca, invadindo aos poucos quantas bocas se abrem. A jujuba rola numa freada brusca, indo parar junto a um saco de pipocas. Os corpos se amontoam e ligeiros voltam ao lugar de origem. Os olhos da jujuba vêem a menina. Seus olhos passam por todas as árvores. Ela é vesga e logo fica tonta, mas não deixa nunca de olhar a árvore o muro a árvore um carro outro carro outra árvore outra árvore. No ponto seguinte, um cheiro forte invade os sentidos da menina, que vai seguindo ser saber para onde. Seu cabelo ressecado, puxado para trás num espanador anelado, toca de leve o antebraço de um homem magro, de olhar perdido para além dos carros e das árvores. Uma coleção de camisetas brancas entra compassadamente. Entram outras jujubas conduzindo seu vendedor numa caixinha. Um out door colorido olha de longe para a menina. Há sol mas faz frio. Panelas de barro secam no chão de inverno. Já na reta da penha uns odores se apedrejam, outros se lançam do alto, sobem e descem pelas janelas escancaradas. Outros out doors entram no ônibus em frente ao shopping center. A menina respira com dificuldade. Abre e fecha a boca, olha ao redor. Parece adormecer, mas tem a respiração pesada. O coletivo fede, é frio e úmido. Ao longe o mar bate com força no areal enfadonho. As pontas dos ramos de algumas árvores entram pela saída de emergência e vêm ao encontro da menina nas proximidades da terceira ponte. Ela masca o dedo indicador e cospe no chão do ônibus. Ninguém percebe sua baba escorrendo. O ônibus sobe a terceira ponte. Lá em cima o frio aumenta. A menina estremece, mas não sabe onde está. Desfalece. Nunca fez acordada a travessia. Nem viu a paisagem lá de cima, as casas longínquas, minúsculas, da enseada do suã. Com os olhos entreabertos ela se encolhe junto ao encosto duro. Sob o sol de julho, as piscinas das pequenas casas lançam raios que perturbam a visão, mas não a da menina. Tremeluzem os tetos de cores variadas. Diante do convento a menina cai em sono profundo. Na descida da ponte o cheiro familiar de uma vala revigora os seus sentidos, saturados de patchouli da praia e alfazema da serra. Aos poucos a menina volta a si e distingue os carros das árvores. Salta numa vila velha e caminha por uma praça. Caminha lentamente, e retorna ao ponto de ônibus.