Depois de quase três meses sem nos falarmos, ele me convidou para almoçar no restaurante mais chinfrim da cidade. Concluí que tínhamos chegado ao fim. A infelicidade não podia ser maior, seu pai morrer justo no dia em que brigamos com veemência.
Lá fora começou uma chuvinha fina, mas o calor seguia tostando. Assim às vésperas do Carnaval os passantes estão todos já com cara de clown ou de amante traído.
Na mesa ao lado um homem obeso atacava a comida como a um inimigo.
Que palavras conseguiríamos trocar em meio àquele burburinho de funcionários públicos que saem da repartição famintos para meia hora de self-service - pensei.
Ele ia incólume para a fila, já com o prato na mão. Encheu-o, como sempre, de batatas fritas, e seguia beliscando-as com a mão, antes mesmo de passar pela balança. Eu nunca lhe tinha notado essa deselegância.
Da última vez em que estivemos ali me impressionou uma senhora que pedira talheres e copos para dois e seguira durante toda a refeição conversando com um interlocutor invisível, do outro lado, a quem empanturrava de macarrão e coca-cola, enquanto falava com a boca cheia, devorando-lhe depois toda a comida servida. Era louca, mas não suportava o desperdício - lembro quando pronunciou, muito límpida, essa frase.
Entrei na fila também, contrariada, e, quando me aproximei do bufê, ele já estava sentado à mesa, atacando o resto de suas batatas. Uma mosca insistia em pousar-me no ombro.
Naquele dia eu não conseguiria comer.
Retornei fotografando sem pressa o cenário em que nunca mais estaria. Sentei-me ao seu lado. Ele me abriu uns olhos excessivamente espantados, não sei se por me ver sem o prato... parecia enxergar muito além disso. Tinha os lábios engordurados. Alisei-lhe os cabelos como aos de um irmãozinho querido. Retirei um guardanapo e pus-lhe na mão.
Nenhum dos dois disse palavra. Em silêncio concluímos que não havia mais nada que pudesse ser dito.
Uma garotinha feia saiu gritando do toalete, puxada pelo braço por uma mulher descabelada.
Levantei-me sem despedidas. De saída, ainda pude notar que ele havia engordado - e muito!
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ResponderExcluirFiquei imaginando a cena: quotidiana, linda, plácida e triste...
ResponderExcluirEi Vinícius, esse texto se integra a fotos da artista plástica Gabriela Canale, no site http://multigraphias.com/ . Dá uma olhada no resultado. Beijos.
Excluirvou ver.
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