segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Teatro



- Mãe, vamos brincar de teatro?
- Vamos!
- Eu sou a Emília!
- E eu?
- Você é o palco.
- !?

sábado, 29 de outubro de 2011

Festa do Guilherme




- Mãe, a festa do Guilherme é minha?
- Rs, é a festa do Guilherme, mas é sua também, porque você foi convidada.
- Então a festa é de todo mundo?
- É... Festa é uma coisa nossa, que a gente faz e então fica sendo dos outros também.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Corpo humano

A professora:
- Hoje nós vamos estudar o corpo humano, que é o corpo do ser humano. O ser humano é todo aquele que veio do homem. Por exemplo você, Flora. Você veio do homem?
- Não, eu vim de mulher.

Ser humano

De madrugada, aos 38 de febre:
- O Francisco é um ser humano, mãe?
- É, sim.
- Ah... Um ser humano do olho marrom!

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Minha mãe

Rembrandt: Velha senhora lendo.


Minha mãe sempre foi, para mim, o signo da delicadeza. Apesar de uma longa infância no mais íngrime dos campos capixabas, filha de agricultores italianos imigrantes, ela é daquela estirpe de gente que – afora todas as contradições inerentes ao humano – emana elegância.

Minha mãe foi uma mulher nervosa, por vezes destemperada, na sua juventude – e esse tempo se deu muito antes de que se falasse em TPM, e um pouco antes de que se disseminassem os variados métodos contraceptivos... Como não estou certa de que as doenças e similares existam antes de sua criação linguística, eximo-me de especular se o primeiro desses componentes já estava presente lá, guiando os seus achaques, que contudo me pareciam – ou hoje parece a mim terem sido – rigorosamente mensais.

Minha mãe não se sentou num banco de escola por mais de seis meses. Foi na época em que se escrevia numa pedra (sim, uma pedra preta usada à guisa de caderno, não de lousa), mas aprendeu a se expressar por escrito com firme clareza, internalizando depois algumas normas, todas elas a partir das correções que fazíamos nos bilhetinhos que ela deixava ao sair, de manhã, para o salão de costura. Nós, bons alunos da vida que ela nos legou, respondíamos respeitosamente, acentuando porém, pontuando, corrigindo. Na mesma idade da pedra aprendeu ainda, com desenvoltura, as quatro operações, o que foi de muita utilidade depois, na minha própria introdução ao mundo do cálculo não virtual.

Minha mãe raramente elevava a voz, jamais dizia um palavrão. É delicada no comer, no vestir, no falar... Mesmo assim levamos bons tapas e chineladas marcantes. É possível que possua todos os defeitos que costuma ter uma pessoa, mas, com sua singeleza de modos, conseguiu marcar em mim essa lembrança, que creio mesmo destoar daquela que guarde, por exemplo, minha irmã. Não importa agora cada tomo que venha a deixar: o conjunto da obra é essa doce memória que já se forma e que permanecerá.

Minha mãe leu todos os escritos que publiquei, impressionando-me com suas perguntas e comentários, mesmo sobre aqueles mais desprovidos da atração do enredo. Na última visita que me fez, surpreendi-a às gargalhadas, lacrimejante, no escritório lendo Turandot!

Minha mãe foi pobre, cozinhou em fogão a lenha, casou-se sem paixão... Conseguiu, mesmo assim ou por isso mesmo, insuflar, até onde pôde, a nossa paixão pela liberdade, embora nunca tenha realizado o desejo - para tantos tão prosaico - de estudar e tornar-se professora, e embora nem mesmo tenha realizado o simples  feito de guiar um carro...

Minha mãe vive uma funda religiosidade, para além de sua experimentação nas religiões, mas nunca discriminou ou recriminou os filhos ateus, nem jamais nos obrigou a frequentar a igreja. Sua inteligência lhe beneficia, ao menos, com o direito à dúvida. Minha mãe fala sobre homossexualidade, tem opiniões e curiosidades políticas.

Minha mãe, mais que tudo, tem humor, e, mesmo antes de ter conhecido fantasmas como o do câncer - e como que se preparando já para enfrentá-lo -, nunca se apavorou com a descoberta das nossas por vezes perigosas experimentações de jovens, chegando mesmo a se oferecer, carinhosamente, para plantar umas sementinhas de maconha: “Se é uma planta, vou cultivá-la como a todas as outras!”

Se eu pudesse, ter-lhe-ia “puxado” inteira...

Bipolar



Flora me olha com ambas as mãos diante da face, unidas e fechadas feito conchas:
- Mãe, o que é bipolar? Bipolar é isso?
- !?

domingo, 16 de outubro de 2011

Esquecimento

- Mãe, esqueci!
- O quê?
- Não sei, esqueci!
- Rs.

sábado, 15 de outubro de 2011

Tia Gi

- Mãe, eu quero ser motorista de caminhão!
- Quando você crescer, tá bom?
- Tá bom. E você, Fola? Vai ser o quê?
- Eu vou ser a tia Gi!
- Ah é? Quer ser professora, minha filha?
- Não, eu não quero ser professora; eu quero ser a tia Gi.
- Ah, entendi...
- E quem vai ser a criança, mamãe?

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Menino ou menina?



- Mamãe, vamos brincar de neném?
- Vamos.
- Fica deitada que eu vou colocar o homem-aranha em cima da sua barriga.
- Tá bom.
- Agora ele vai nascer. Pronto, nasceu.
- É menino ou menina?
- Menino e menina!

Rosa vermelha

Monet: Flores da primavera.

- Mãe, essa rosa é vermelha?
- É.
- Mesmo assim ela é uma flor?
- !?

domingo, 9 de outubro de 2011

Planeta



- Mãe, por que é que está de noite?
- Porque o sol está do outro lado do planeta.
- Planeta?
- É, o planeta Terra, onde vivemos.
- Aqui é um planeta?
- É.
- Então eu vou embora daqui. Eu não quero morar num planeta!

Diabo

Arcimboldo: Outono.

- Mãe, eu queria comer um diabo!
- Um diabo?
- É, aquele verdinho que parece um chapéu de duende!

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Caixinha de remédios

- Mãe, isso aí é uma pomada?
- Não. É uma tomada.
- Por que, então, ela fica junto com os remédios?

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

No meio da noite

Na mesma idade que têm hoje os meus filhos, do mesmo modo e com a mesma frequência que um deles, eu sempre corria, no meio da noite, para a cama de minha mãe e, até onde consigo me lembrar, a sua índole diurna por vezes irritadiça, à noite, mesmo depois de um dia exaustivo ao pé da máquina de costura e das clientes, invariavelmente chatíssimas, assim como também já me pareciam, naquela época, os assuntos que se propunham discutir (cor, textura, trama, modelo, caimento), jamais foi alquebrada por um grito de rechaço à criança amedrontada que eu fui, ou por qualquer outro rasgo de impaciência diante da minha insônia precoce.

Não digo que fosse uma santa resignada; nem que devotasse aos filhos uma cota infinda de atenção. Ao contrário: estou certa de que lutavam nela - que antes de ser mãe era uma pessoa, e mulher - tanto a necessidade cruciante de suprir a nossa subsistência quanto a ânsia por alguma liberdade da sua difícil condição.

No entanto, no meio da noite, a sua voz firme e tranquila, vinda do escuro insondável do quarto, abatia monstros e fantasmas. Sua cama era uma fortaleza contra os demônios do pesadelo. Aconchegada ao calor do seu corpo, eu um dia fui imortal. Dali, nem deus nem o diabo me arrancariam. O seu hálito doce abria um halo onde eu fruía a calma e a certeza de uma noite inteira de sono suave e profundo.

Essa sua delicada firmeza em me atender sempre com paciência, no meio da noite, não me curou completamente da insônia, que ainda hoje me faz companhia, mas criou como que um arcabouço psíquico para as noites de desespero.

Quando uma criança desperta, à noite, envolta em pavor, é preciso que o aconchego lhe chegue rápido e seguro. É possível que seja essa a única herança que deixarei, contra a moda psicológica do adultismo e da contenção. Nenhuma criança (ou adulto) que é assombrada pelo seu próprio inconsciente consegue usar o seu pavor como moeda de troca, manha ou pirraça - para sabê-lo basta olhar-lhe nos olhos. E ainda que fosse esse o risco, eu preferia corrê-lo. No meio da noite, jamais bramar. Basta a cada criança o seu próprio demônio.

Casamento



Todo casamento tem seus baixos e baixos.

Eu tomo Prozac,
ele toma Zoloft -
e somos felizes para sempre...

Epifania

Aldemir Martins: Galo.

Depois de tanto comer "frango" assado na escola, as crianças sofrem uma epifania ao ver a avó acariciando uma galinha grisalha que acabara de pôr um ovo:
- Vovó, a galinha é um frango!!!???