sábado, 26 de maio de 2018

Coisamente

A felicidade invadiu tudo. As redes, os rostos, os restos... é riso que não cabe mais... É brinde, é presente, é parente...
Que seria da felicidade, não fossem próteses dentárias? Que seria?
A moça feia na foto está belíssima. A gorda semelha uma sereia. O velho, um efebo. Os maus amigos se suportam em nome não da amizade, esvaziada, mas das fotos a postar no Face. O Face é a verdadeira face do sem face.
Importa menos comer que mostrar. Não interessa muito viajar, mas fotografar para postar. Mesmo o mergulho na piscina tem que ser capturado, e, se não não houver por perto quem o faça, para isso já existem celulares que mergulham.
E que solidão, que nada! Que tristeza, que nada! Que tempo perdido, que nada! Que leitura, que nada! Altruísmo, Nada! Política? O mundo? Nada!
Selfie, selfie, selfie... Sílfides, celulite, um bom lugar pra ler um livro... Isso tudo é passado... Agora eu tenho o agora. Na verdade não o tenho, mas tenho um Facebook na cabeça e uma câmera na mão - e isso me basta.
As crianças vão bem, cada uma no seu celular, não dão trabalho. Trabalho com criança também é coisa do passado, démodé. Quem pensaria em postar uma foto trocando uma fralda? Trocam-se kisses e likes... coisas assim são fáceis de trocar - não custam centavo.
Nas fotos são todos felizes, alegres, contentes, suaves, bonitos, bronzeados, amados, espertos, inteligentes e bem resolvidos.
Menos os que se mataram.
Preferiram (os delicados) morrer.
Eu sou a coisa, coisamente.

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