segunda-feira, 8 de julho de 2019

Bom dia

Ontem, por primeira vez, fizemos churrasco no apartamento. A fumaça se espalhou por todo lado e, de repente, sem pejo, se podia fumar em qualquer canto. 

Os meninos jogaram bola na sala, nos quartos, no corredor. Crianças sempre ficam felizes com a desordem. Suspeitam talvez de tanta ordem corrente, dia após dia, dentro de quatro, de oito, de doze paredes. 

Só o bebê não conseguiu relaxar, em meio a tanta novidade. 

Lá fora, os carros seguiam buzinando, mesmo em pleno domingo. Afinal, que é que faz um domingo pleno? Pode ser que seja o futebol, ou a cerveja. Ou esquecer-se, num átimo, do mundo do trabalho. Ou de que o domingo é a prévia da segunda. Ou que ele também se repete, monocórdio, fechando e abrindo sempre duas longas semanas... de trabalho... 

Tentar esquecer-se do trabalho é também um pensamento sobre o trabalho. 

Enfim, ninguém estragou o churrasco com assuntos assim. Em meio a torresmos, cachaça e pagode, quem falaria sobre o trabalho? Uma pequena parte da pilha de processos por julgar, levemente embebida em óleo de soja, acendeu as piras para a picanha, sem sequer interferir-lhe no gosto. A tarde fluiu lindamente. As crianças tiveram seu sorvete, picaram cebolas para o vinagrete... Depois, desenhamos com bacon nas paredes e elevamos a música ao volume mais alto. 

Assim como faziam nossos pais, servimos sangria a cada um dos pequenos, que dormiram cedo, sonhando já com férias, como fazem os adultos, acordados.

Apenas o bebê não pensa ainda em férias, em processos, em semanas, em falar ou não falar de trabalho.

O carvão somente nos demandou o seu tanto. A cerveja acabou várias vezes, e várias vezes foi reposta, a partir do bar da esquina, onde o santo Wagner cuida para que nunca nos falte o essencial. 

Terminada a grande farra interminável, tínhamos fumaça por espantar, gordura no chão, pratos e copos, papéis por representar. Segunda feira vem a diarista e então nos esquecemos, definitivamente, de que a parte da vida que esquece o trabalho é, também ela, trabalho. Esquecemos que ambas as duas se retroalimentam. Esquecemos todo pensamento paradoxal e voltamos, limpos e leves, ao mundo do trabalho. O nosso trabalho. O trabalho nosso para o outro. O outro do nosso trabalho.

Durmo pesado, a partir de orgasmos plurais.

Pela manhã, o companheiro ainda em pelo, cabelos aos cachos, desperta com hálito quente, semelha um animal que busca a sua toca no meu corpo. A vida, do nada, parece estranhamente em ordem, em meio a guradanapos espalhados pelo chão, respingado de óleo e ladrilhado de sal grosso.

Saio para a rua bem disposta. Apenas fecho a porta por trás de mim e o vizinho olha da janela com a cara amarrotada e me aponta para a cabeça duas arminhas simuladas pelos dedos das mãos.

- Bom dia!







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