Pierre Flourens, fisiologista francês, sobre o uso do clorofórmio e das demais formas de anestesia: "... em consequência da paralisia geral da inervação, as dores são sentidas ainda mais vivamente do que no estado normal. O logro do público resulta da incapacidade do paciente de lembrar-se, após a operação, do que se passou. É concebível que as excitações dolorosas, que, em razão de sua natureza específica, podem ultrapassar todas as sensações conhecidas dessa espécie, provoquem um dano psíquico permanente nos doentes ou mesmo levem, durante a anestesia, a uma morte indescritivelmente dolorosa, cujas peculiaridades permanecerão eternamente ocultas aos parentes e ao mundo".
Aquilo que ouvi enquanto me "operavam" (operar, no aurélio: executar; obrar) me assombrou para sempre. Não fui submetida a muitas intervenções cirúrgicas, mas deu para notar que o medo pálido que senti enquanto a maca era empurrada em direção ao desconhecido é uma bobagem, se comparado ao horror que experimentei depois, ao escutar da boca dos operadores, enquanto cortavam e costuravam, considerações sarcásticas sobre o que retiravam do que era, ali, o corpo de um estranho. Durante a ação, notavelmente repetida centenas de vezes, pululam os relatos de antigas façanhas e as anedotas sem graça, repetidas no tédio de um trabalho cansativo (muito mais sujo e quase tão pesado quanto o das estivas), iniciam-se as recomendações de restaurantes e marcas de vinho, mas isso ainda não é nada se comparado ao modo totalmente desafetado como se referem a casos tenebrosos, recém-passados ou ainda por vir. São frases que caem na mente anestesiada como sentenças, porque afinal estamos nas mãos de deuses que, naquele instante, nos recriam; somos fantoches inertes em meio a aparelhos cortantes, de frios, e a máquinas ininteligíveis e distantes de nossas mãos, invariavelmente atadas à maca. Quando nos anestesiam, transformam-se curiosamente em zumbis.
Assim como a gente olha para a medicina do início do século XX e fica chocado com os procedimentos médicos, daqui a alguns anos vamos olhar para esses médicos mal formados de hoje e vomitar... pois eles ainda não se deram conta de que estão tratando mais do que um pedaço da carne!
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