
Aquilo que ouvi enquanto me "operavam" (operar, no aurélio: executar; obrar) me assombrou para sempre. Não fui submetida a muitas intervenções cirúrgicas, mas deu para notar que o medo pálido que senti enquanto a maca era empurrada em direção ao desconhecido é uma bobagem, se comparado ao horror que experimentei depois, ao escutar da boca dos operadores, enquanto cortavam e costuravam, considerações sarcásticas sobre o que retiravam do que era, ali, o corpo de um estranho. Durante a ação, notavelmente repetida centenas de vezes, pululam os relatos de antigas façanhas e as anedotas sem graça, repetidas no tédio de um trabalho cansativo (muito mais sujo e quase tão pesado quanto o das estivas), iniciam-se as recomendações de restaurantes e marcas de vinho, mas isso ainda não é nada se comparado ao modo totalmente desafetado como se referem a casos tenebrosos, recém-passados ou ainda por vir. São frases que caem na mente anestesiada como sentenças, porque afinal estamos nas mãos de deuses que, naquele instante, nos recriam; somos fantoches inertes em meio a aparelhos cortantes, de frios, e a máquinas ininteligíveis e distantes de nossas mãos, invariavelmente atadas à maca. Quando nos anestesiam, transformam-se curiosamente em zumbis.
Assim como a gente olha para a medicina do início do século XX e fica chocado com os procedimentos médicos, daqui a alguns anos vamos olhar para esses médicos mal formados de hoje e vomitar... pois eles ainda não se deram conta de que estão tratando mais do que um pedaço da carne!
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