Adolfo emagreceu 25 quilos lendo Os Mambo Kings tocam canções de amor. Mamãe emagrece quando quer, e o quanto quer. Desaparece lá pra roça e, quando volta, daí a um mês, parece outra - cabelo cortado, roupas novas, e se vangloria: "Emagreci bem; não foi?", matando a gente de raiva com a receita: "Ah, só parei de jantar!". Mas, se insistimos, então ela desfila parte do seu conhecimento das ervas: "Vocês, que são jovens, podem tomar chá verde, sene, alcachofra...". É tão fácil emagrecer, que alguns emagrecem de raiva. Outros emagrecem por amor. Difícil é amar. Ou odiar adequadamente. Mas se alguém pode emagrecer lendo, imagine só escrevendo... Engodo: não se põem mais coisas pra dentro lendo do que escrevendo. As trocas não são quantitativas, nem tão previsíveis ou equilibradas. Leitura e escrita não se separam pela adiposidade...
O Aboio está de volta. É o mesmo, porém diferente. Como espaço de escrita que é, volta a servir de desaguadouro a tudo o que me encanta, ou, pelo contrário, me apavora. Depois de tantos anos de afastamento, eu mesma me desreconheço nas postagens mais antigas. Os amores são outros, as causas são outras, é outro o país.
sábado, 30 de janeiro de 2010
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
O panfleto
Picasso: Frankenstein.
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
Frankenstein (parte 4)
Célia Ribeiro: "Corpos líricos sob o viaduto Caramuru".
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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
Frankenstein (parte 3)
A campainha tocou. Vinte anos atrás. Era uma cigarra discreta, porém não o suficiente para um consultório de psicanálise, e pareceu-me mesmo absurda a sua instalação ali. Soou-me como um recurso didático ou de auto-defesa, não sei. Mas não quis tocar no assunto. O profissional era todo ouvidos. Eu nem era toda palavras, mas ele realmente ouvia como ninguém. Ouvia com os olhos, a boca, a ponta dos pés. Ouvia de modo tão poroso que eu ficava imaginando como é que fazia para se livrar de tantos discursos que passavam por ali num dia. Mais tarde descobri o óbvio. Mas o importante é que, se aquela crise dos vinte anos não tivesse ocorrido, hoje eu dificilmente entenderia os meus amigos mais angustiados e ansiosos - talvez fosse esse o meu quadro então. Do estado dos paranóicos, fóbicos e deprimidos no entanto ainda não tenho compreensão, porque me parece difícil uma verdadeira troca de experiências com eles. É preciso estar bastante preparado para poder ofertar algo a uma pessoa que permanece o tempo todo vigilante a cada palavra sua, a cada mínimo gesto, que se sente perseguido e foge feito um animal espantado ao menor sinal de conflito. Como criar interlocução com alguém que, de repente, tem medo de sair de casa, do quarto, do banheiro? Não basta oferecer-lhe - o sol! É necessário ter desenvolvido uma grande delicadeza para acreditar que se perca o desejo por absolutamente tudo sem saber ao certo por que razão. Imaginemos uma outra situação: alguém que não dormisse, pensando sobre o aquecimento global, a fome, a guerra, o terremoto no Haiti... Embora sejam situações que deveriam realmente nos tirar o sono, assim como as demais desgraças espalhadas pelo globo, pessoalmente não conheço ninguém que, sem notória desfaçatez, relate sofrer por isso a ponto de não querer mais se alimentar, por exemplo. Há às vezes uns ensaios nesse sentido, mas uma máscara blasé de intelectualidade arrogante - e limitada pela arrogância - logo desmorona. De todo modo, a quem olha de fora parece implausível que o outro seja feito de uma matéria tão fina que, por exemplo, tenha as mãos trêmulas e suadas diante de qualquer argumento mais insistente ou veemente, numa conversa informal. Eu nunca pretendi ignorar a fragilidade que pode advir de um trato sem solução de cada um dos pequenos obstáculos que a vida impõe, mas também não posso deixar de aconselhar para esses casos de real sofrimento - quando a opinião me é direta ou indiretamente solicitada - a resolução de problemas de ordem prática. Os argutos pensantes, ciosos da importância de seu cérebro, não precisam se preocupar, porque durante o ato mesmo de apertar ou afrouxar os parafusos do armário é que muitas vezes se solucionam complexas questões de ordem afetiva; sujar a mão em cocô de neném costuma deixar as falanges mais aptas a uma aula de escultura... O tradicional cabo de enxada, mais a trouxa de roupa pra lavar, recomendáveis aqui a todos os gêneros, indistintamente, não os livrarão de pais violentos, de uma infância mal vivida, da pobreza, da feiúra, da obesidade, da acne, do abandono, da solidão, da falta de afeto, da incapacidade de expressão, da vontade de possuir, do medo de deixar, dos inimigos, dos patrões, do ciúme, da exploração, do câncer, da aids, da baixa auto-estima nem da alta baixa-estima, rs... mas aquele traquejo ali... colocar as mãos assim desse modo e não de outro, sentir a superfície suave ou rústica da matéria, ter de baixar um pouco a cabeça em direção a um dos ombros e depois torcer a coluna para alcançar enfim a água (caso se escolha a trouxa de roupa) ou o mato (caso se escolha o cabo de enxada)... Hum, acredite-me: não há nada melhor que contorcer o corpo para polir o pensamento e robustecer a vontade. (Um minuto, que estão chamando ao telefone.)
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quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
Frankenstein (parte 2)
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terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Frankenstein (parte 1)
Estava começando o show de fim de ano do frankenstein na tevê quando tocou o interfone. Se tivesse acontecido quarenta anos atrás, ainda não teria sido instituído o tal show de fim de ano, claro, a emissora recém-criada. E eu estaria nas fraldas (de pano), deitada num berço improvisado no quarto úmido da palafita. A última reforma ortográfica (penúltima, agora) estaria próxima de acontecer. Obviamente as palafitas não tinham interfone - até hoje não têm. É apenas por um vício de estilo que se constrói uma frase como essa, já que a ausência de interfone, nessas circunstâncias, não indica nem uma necessidade, porque as necessidades são de outra ordem. Nos bairros erguidos sobre o mangue as moradias são tão próximas que não é preciso gritar para ser ouvido pelo vizinho. Por isso também não existem: a visita, o convite, o sino, a campainha ou o interfone, ahahah! Mas mamãe, castelense-quase-cachoeirense-recém-migrada-de-são-gabriel-para-tabuazeiro-e-de-lá-para-a-pedra-do-búzio-portando-como-enxoval-uma-caixa-de-sabão-e-um-cão-vira-latas, provavelmente estaria ouvindo no radinho de pilha a voz do mesmo frankenstein, então apenas criado, talvez ainda sem uma perna; melhor (ou pior): talvez ainda com uma perna - e sem nome. O fato é que tocou o interfone...
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domingo, 10 de janeiro de 2010
Alguns pesadelos
Abapuru (gravura em metal). Célia Ribeiro. In: desenhos-celialice.blogspot.com
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sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
Eles e elas
Por que razão as mulheres pobres se referem aos seus companheiros diretamente por meio do pronome pessoal, sem que, no contexto, seus nomes ou quaisquer outros termos que os refiram tenham sido usados? Da primeira vez que o notei foi numa frase assim: Quando Ele voltar do mar, terei de parar com as faxinas. Pensei que se tratasse de Deus. Ainda mais que a sentença foi dada de manhã, bem cedo, enquanto o leite fervia, e Sebastiana tinha os olhos fixos nos azulejos, sobre o fogão. Soou como uma revelação profética. E outro dia escutei da doce Denise, sem mais nem menos: Amanhã Ele vem buscar a televisão. Ainda não tínhamos falado nEle, mas tão-somente na televisão; de onde então Ele despontava assim, feito Hércules, já descendo as escadas com o meu televisor às costas? A impressão que dá é a de que Eles vivem no pensamento delas, todo o tempo muito presentes, e de que para lhes sair pelas bocas é questão apenas de que estas se abram.
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