À medida que o vocabulário se amplia, aumenta a confusão entre palavras com sonoridade parecida, misturam-se sílabas iguais de diferentes vocábulos e, curiosamente, desponta a mesma dificuldade que se tem no aprendizado de um novo idioma: não se sabe ao certo, nos primeiros contatos, onde termina uma palavra e começa outra, no falar fluente do plenamente letrado.
Daí a produção de pérolas como: "Eu não sei andar de bichiclete." ou "Mamãe, eu engoli o bicicletes!"
Algumas vezes só pude entender a permuta involuntária graças aos objetos, ao gestual: "Agora eu vou andar de basquete", disse Flora simulando um skate com meu grande chinelo sem tiras...
Deparamo-nos, por vezes, com a criação (muito lógica) de uma nova regra: "Minha cama é cor de rosa; a parede é cor de branco e o ventilador é cor de preto!"
E, ainda, vez ou outra, com a reinterpretação de uma norma: diante de palavras proparoxítonas, como máquina, ou forçosamente proparoxítonas, como a migrante bátiman, Francisco pergunta em auto e bom som: "Cadê minha maquiná?" e "É esse o batimán?", o que é muito compreensível se ouvirmos essas palavras descontaminados do conhecimento cristalizador que temos delas: lá está, na última sílaba, o segundo acento, o outro tom que chamou à atenção o ouvido, e pelo qual ele optou. Quem te ensinou essa canção? "Foi a tia Fatimá!"
Também aparecem diálogos cômicos - e de início ininteligíveis - como: "Vamos brincar de Bela Adormecida?" "Vamos! Eu sou o cagão!" Diante da dificuldade de pronunciar o dr, comparece a consoante mais fácil. Assim que percebi o fogo saindo das ventas do cagão, fui dar a minha contribuição para o seu encaminhamento ao correto pronunciar, triste embora com a poda de mais essa linda ignorância. Assim que saí do quarto, escutei: "Agora o vagão sou eu!"
À insistência em saber o que a priminha mais velha tinha na boca, Francisco recebeu enfim o seu primeiro "Não interessa!" Demorou, mas já estamos tão acostumados a essas crueldades - ou deselegâncias - que nem as percebemos como tais. E, se assim é, é melhor que nos naturalizemos a elas, para não sofrer em vão. Só que, para ele, ainda não caiu como ofensa. Veio imediatamente a mim: "Mamãe, me dá nunteressa. Eu estou sentindo o cheirinho de nunteressa".
São pratos já feitos para um decadente poeta concreto, para o escritor aposentado, carente de imaginação, ou para o alfabetizador perdido para a criação, de tão agarrado à gramática da língua...
Eu acho esses os seus melhores textos!!!
ResponderExcluirSério!? Pois achei que esse saiu assim, meio truncado. Mas é bom escrever sobre as crianças, notar como transformam(-se com) a linguagem, dia após dia. O chavão relata o real: aprende-se muito com elas!
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