quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Encontro com Chico Buarque (2/6) ou Fantasia

Salvador Dalí: Galatea de esferas.


Um artista famoso não correria de caneta na mão atrás de sua admiradora. (Chico Buarque)

O restaurante, por fora, me pareceu despojado. De repente me senti incrivelmente à vontade atravessando a rua para encontrar Chico Buarque de Hollanda. Ia tentando apagar da mente as piadas infames que lembrei no táxi, aquelas que no final dizem sempre que toda mulher é apaixonada por Chico Buarque. Pensei que com certeza ele não ia achar isso de mim, já que dei um tom seriíssimo à nossa conversa pelo telefone e porque, afinal, lá estava eu, sem glamour, vestida simplesmente e portando o olhar de gente honesta que deus me deu. Na dúvida, fui com a bolsa maior, onde coube bem o caderninho de anotações, para o caso de o papo se estender, ou de ele resolver me passar alguma informação mais precisa sobre algo. Eu não queria chatear o homem, mas também não podia simplesmente deixar que ele conduzisse o diálogo, já que a interessada no assunto era eu. Por alguns instantes, enquanto aguardava que o semáforo se abrisse, confesso que quase perdi de vista a tese, e se alguém me perguntasse mesmo sobre o que era eu já não seria capaz de responder assim, de estalo. Deu um branco ali, mas passou rápido. Semáforo aberto, lá fui eu, pé por pé, pé por si, diria o personagem de São Marcos. O garçom aguardava na porta, como era de praxe naquele horário em que ainda não havia movimento. Pediu que me identificasse para saber se tinha reserva e aí então eu fui ousada como nunca antes. Disse que a reserva estava no nome do senhor Chico Buarque. E disse isso com uma simplicidade tão forjada que tive medo de ele não acreditar, mas de repente me lembrei de que estava no Rio. No Rio, tudo pode. E não é que havia a tal reserva? A mesa, pequena e redonda, ficava quase num canto escuro e um pouco abaixo do nível das demais, posição que me pareceu no mínimo curiosa. Lembrei a famigerada e controversa timidez do compositor e de ter lido em algum lugar que aquele era seu restaurante predileto. Supus que a mesa já fosse meio cativa e que ele estaria à vontade ali. Faltavam dez minutos para o horário do encontro. Preferia não ter chegado antes do cavalheiro. Devia ter entrado na loja de sucos que fica em frente, ter dado um tempo por lá. Poderia vê-lo chegando, saltando do carro (com chofer?), ver como ele se movimenta na rua, se está magro, bem vestido, ou com cara de quem antecipa um compromisso chato... Enfim, lá estava eu. O melhor agora era relaxar e colocar os pensamentos em ordem. Quando ele chegasse eu não poderia simplesmente cumprimentá-lo e ficar olhando, tentando descobrir se à noite os olhos ainda mantêm o tom ardósia. Eu havia de ter perguntas, claro. E na verdade tinha muitas. O problema todo seria contextualizá-las. E se ele ficasse decepcionado em não encontrar uma fã típica, ou mesmo um mulherão interessado nas sobremesas? Cortei a viagem logo, logo, que já estava mentalmente quase esnobando o Chico Buarque, e mandei brasa: deixei acesas ali, claras na mente, umas cinco ou seis questões indispensáveis para a minha pesquisa, e sabia que essas poderiam se desdobrar em algumas dezenas, a depender da paciência do interlocutor.

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