- Mamãe, eu quero vaca de leite!
- Hum!?
- Eu quero leite de vaca!
- Ham!...
- Cadê o meu nipico?
- Ai, meu deus, agora dificultou!
- Pega o meu nipico, eu quero fazer cocô!
- A tia contou a história do cutâneo!
- O quê? Contou o quê?
- A coruja e o cutano moravam na árvore...
O Aboio está de volta. É o mesmo, porém diferente. Como espaço de escrita que é, volta a servir de desaguadouro a tudo o que me encanta, ou, pelo contrário, me apavora. Depois de tantos anos de afastamento, eu mesma me desreconheço nas postagens mais antigas. Os amores são outros, as causas são outras, é outro o país.
terça-feira, 30 de novembro de 2010
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
Diálogo no semáforo
Fabio Baroli: Vendeta.
- Aí, tia, passa o brinco!
- Tudo bem (as mãos destarrachando rápido), mas não é ouro; dei oito reais no par. Eu te dou dez reais que eu tenho aqui.
- Toma o brinco.
- Obrigada!
sábado, 27 de novembro de 2010
Fechamento de varandas
Se bem que... eu adoro começar frases com se bem que... É fácil, e qualquer idéia que venha depois estará bem introduzida: o que não lhe garante desenvolvimento, obviamente. Se bem que, quando retornei a vitória, depois de alguns poucos anos em brasília, me assustei com um outro tipo de comércio que tinha surgido aqui, durante a minha ausência (o fascismo do idioma nos trai a boa intenção: o comércio surgiu aqui? e foi durante a minha ausência?), e que vinha estampado em carros comerciais, gritando paradoxalmente, aos meus ouvidos: "fechamento de varandas". Não entendi de primeira. Não conseguia imaginar para que é que alguém quereria uma varanda fechada; fiquei pensando se ela seria, ainda assim, uma varanda. E tentei vislumbrar o tipo de fechamento a que se referiam: grades? paredes de alvenaria? vidro blindado? Claro, é um sinal dos tempos... Ao primeiro montinho de minério de ferro que juntei no canto da sala tive um vislumbre de entendimento. Das questões de segurança prefiro não falar, porque não consigo me situar indubitavelmente de um dos lados da trincheira, observando através do meu vidro blindado...
Vendem-se cofres
Como assim, vendem-se cofres? Que sentido tem vender cofres (um caminhão cheio deles!) em frente ao mar, no sábado de manhã? Ora, é óbvio que tem a sua razão de ser, Andréia! Quem é você para duvidar da lógica comercial? Claro: a demanda é produzida antes do produto, que para isso também servem as indústrias. A demanda é o primeiro produto. De qualquer modo, é um estranho comércio, em todos os sentidos - a começar pelo estético. As folhas dos coqueiros parecem metálicas quando as vemos por detrás do frio aço da pilha de baús... As pessoas fazendo cooper no calçadão têm de desacelerar para desviar do caminhão... de cofres. O carrinho de coco se encolhe humilhado diante da imensidão daquele pesado marketing sem marca: é somente o caminhão de cofres. Acontece que eu mesma não conheço ninguém, absolutamente ninguém que tenha um cofre em casa - você conhece? Sem dúvida meu ciclo de relacionamentos anda um tanto encurtado e é possível que eu não tenha sequer um amigo rico, mas... há tanta gente assim disposta a comprar cofres? Realmente não consigo entender aquela enormidade de caixas cor de lata e de tantos, diferentes tamanhos, esperando jóias e dinheiros e documentos tão importantes sob o sol amarelo da praia de camburi.
sábado, 13 de novembro de 2010
Retrato falado
Procura-se um rapaz de olhos profundos, da cor da noite passada. Os cabelos são do mesmo tom e avançam por incerta ancestralidade.
As mãos semelham ter trabalhado longamente a maciez do ferro, cada uma desaguando em cinco rios de ébano, talhando mesas e lousas e corpos.
Deve segui-lo um pequeno grupo de elfos.
Relatará um endereço conhecido, porém jamais estará em casa. Se o virem atravessando a avenida, confirmem o seu perfume de laranja e canela, a torre macia dos ombros, as costas aveludadas.
Na voz pode ser que se disfarcem torrentes e luminosa cascata.
Há nela claves de doçura e dureza.
É prudente abordá-lo com firmeza e conduzi-lo suave, ao som de nina simone.
Conjunções
Francisco aprendeu a fazer conjunções. No início nem era bem uma conjunção. Aliás, começou - como nos parece dialeticamente natural - com o interrogativo. Duvidei de que estivesse falando sério; quero dizer: de que já tivesse noção de que causa e consequência pudessem se articular na linguagem. Estranhei porque, de um dia para o outro, desandou a usar tantos porquês, e em situações nas quais, para minha parca lógica adulta, soavam tão descabidos, que parecia antes um saborear silábico do termo em si:
- Vamos trocar de roupa.
- Por quê?
- Sua irmã acordou!
- Por quê?
- Está chovendo.
- Por quê?
- Por quê?
- Sua irmã acordou!
- Por quê?
- Está chovendo.
- Por quê?
Ao largo de uma semana escutei dele, enfim:
- Tem que ir pra escola porque hoje vai ter pula-pula.
E logo depois:
- Por que você passou batom?
Estava já convencida de sua proficiência em algumas das variantes quando o surpreendi enfim encetando um diálogo muito interessado com a irmã:
- Porque ele caiu do cavalo! Aí começou a tocar uma música porque.
Já ontem ouvi de Flora a reprodução de uma norma ouvida em algum lugar:
- Não pode correr na rua se não.
Sem reticências e com destaque para o não.
Hoje, quando lhe disse que poderia levar consigo o barquinho, respondeu rápido:
- Não pode levar brinquedo pra escola se não.
- Tem que ir pra escola porque hoje vai ter pula-pula.
E logo depois:
- Por que você passou batom?
Estava já convencida de sua proficiência em algumas das variantes quando o surpreendi enfim encetando um diálogo muito interessado com a irmã:
- Porque ele caiu do cavalo! Aí começou a tocar uma música porque.
Já ontem ouvi de Flora a reprodução de uma norma ouvida em algum lugar:
- Não pode correr na rua se não.
Sem reticências e com destaque para o não.
Hoje, quando lhe disse que poderia levar consigo o barquinho, respondeu rápido:
- Não pode levar brinquedo pra escola se não.
Com mais essa demonstração, estou certa de que é a paixão pela própria capacidade de expressão que nos agarra primeiro, ainda muito pequenos.
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Da humildade
Bosch: O jardim das delícias (detalhe).
Penso, por exemplo, na humildade. Imagine alguém se autoafirmando... humilde. É o suficiente para decretar o fim, o falso, o frágil da humildade.
Ou dizendo em voz alta uma frase assim: -Eu sou uma pessoa muito humilde! Os ouvintes rimos por dentro. Ou então perguntando: -Todos vocês concordam que eu sou mesmo humildíssimo?
A humildade não suporta nem mesmo o superlativo; que diria do aumentativo!
Assim, o mesmo personagem pode ainda criar para si um endereço eletrônico como este: humildão@gmail.com .
Ou então um blog, o blog do Humilde.
Ou um site, um portal: http://www.ohumilde.com/ .
Trata-se de um equilíbrio tão sutil que mesmo um inocente artigo definido pode estraçalhar a humildade.
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terça-feira, 2 de novembro de 2010
Mamãe Andréia
"Mamãe Andréééia!..."
Quando meu nome aparece no vocativo, já posso me erguer procurando por fraldas e lenços e instrumentos de precisão, rs: alguma coisa fora do comum sucedeu.
Se ouço apenas "mamãe!", em geral é um carinho que querem, segurar a minha mão para dormir, ou simplesmente constatar que estou ao alcance.
Agora, se meu nome é alocado ao final da frase, não resta dúvida (fui confirmando com a experiência): alguém fez xixi na cama, a mamadeira foi derramada, o vídeo parou de funcionar... ou seja: devo ir revestida de todas as minhas funções. Não se trata somente de surgir como mamãe, esse misto de autoridade em cafuné com compreensão normatizadora; tenho de levar comigo a babá, a faxineira e a técnica em eletrônica, que dessa vez o negócio é sério!
Como é que vão se criando esses códigos é difícil saber, mas acompanhar-lhes o desenrolar é muito divertido - e mesmo útil, no convívio com as crianças.
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