quarta-feira, 21 de março de 2012

Les parfums


Acabo de ler o romance Les parfums, da estreante canadense Nolei Note. Na trama, após a morte de seu companheiro secreto de anos de convivência, Justine - a amante -, sente entranhar-se em seu cérebro a idéia inexpugnável de que deve, por direito afetivo, herdar-lhe algo. Após algumas semanas elaborando um longo inventário simbólico através do qual revive as cenas mais tórridas daquela paixão delirante, e sentindo agora, estranhamente a posteriori, ciúmes como nunca antes havia sentido da esposa de Franc, ela resolve que vai ficar com os perfumes que foram dele, já que a memória olfativa era o que mais o "trazia de volta", para usar as suas próprias palavras.

Justine arma então uma  cena complicadíssima, simulando um assalto real, para tomar de Honnête os vidros de perfumes. Curiosamente, os meses que Justine gasta para arquitetar o roubo são o tempo que a viúva, atormentada pelas providências de ordem prática, leva para resolver o que fazer com aqueles frascos que a ela restaram duplamente incômodos: primeiro, por provocarem a lembrança automática do ex-marido, trazendo de volta a carga de sentimentos ambíguos a que uma relação de décadas não pode escapar. Segundo, pela qualidade mesma dos perfumes, com os quais ela sempre implicou, implicância que agora, em lembrança, lhe soa nefasta.

Resultado: quando Justine arromba a porta do closet de Honnête e se aproxima enfim da cesta onde, segundo a diarista, estariam os perfumes, descobre que eles não estão lá. Honnête já os tinha distribuído entre os funcionários encarregados da limpeza do prédio. A partir da descoberta do destino dos odores amados, Justine se vê presa aos corredores e pátios do prédio em que vive Honnête. Obcecada pela necessidade de sentir o cheiro do amado morto, ela se transforma, enfim, em faxineira do apartamento de Honnête, um modo de poder conviver de perto, ainda que eventualmente, com aqueles cheiros.

O que me encanta nesse livro é a descrição de cada um dos cinco ou seis aromas em questão. Eu queimaria o resto inteiro das páginas se tivesse que escolher entre aquelas duzentas e esses trinta e poucos parágrafos. Ao lê-los, tive a impressão de reconhecer um dos perfumes, pude imaginar uns outros tantos e fui tomada de um enorme desejo de provar aqueles que me pareceram os mais exóticos. Um livro apaixonante, quiçá devido à milenar paixão humana pelos perfumes...

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