Ao Grupo Globo de
Telecomunicações não satisfaz promover o golpe de estado. À Rede Globo de
Televisão não basta emburrecer a audiência; tem também de chamar de burra, em alto
e bom som, no ato mesmo em que a emburrece, sendo em geral aplaudida por ela.
O que vai aqui é óbvio para
qualquer pessoa que não ignore a existência da superestrutura, mas nem por isso
é menos revoltante, e não devemos nos iludir acreditando que a maioria o note e
não precisamos mais falar sobre isso. Porque, é claro, em 2016 ainda há quem
não creia que o homem chegou à Lua, e há também quem rechace a teoria da
evolução das espécies.
Mas eu estou falando do Grupo Globo,
e ele não duvida; ele sabe.
Na sexta-feira 13, um dia após a possessão
de Temer (maio de 2016, ano do golpe), ia ao ar mais um capítulo da série
“Liberdade, liberdade”. Durante grande parte do episódio, a personagem
Alexandra (Juliana Carneiro da Cunha), uma idosa com os cabelos incrivelmente
curtos para o século XIX, perambula perdida por ruas e praças, mendigando e
recebendo na face o escárnio do povo que passa, casais que passeiam de braços
dados, famílias que saem da igreja. Ah, a igreja! A mulher está trajada com
roupas que, embora sujas e rasgadas, não escondem a nobreza da sua condição
anterior. O golpe que recebeu no pescoço, em close, ainda sangra.
Na cena anterior, no meio da
mata, Xavier (Bruno Ferrari) havia se aproximado e perguntado seu nome, que ela
já não lembrava. No resumo prévio desse capítulo, publicado dias antes no site
da série, assim que Xavier a encontra, a mulher desmaia e é amparada por ele.
Na edição final porém o rapaz estranhamente deixa que a senhora idosa e ferida
parta sozinha pelo meio da mata.
Enquanto isso, Joaquina, a filha
do Tiradentes, recebe o famigerado livro do pai. Numa atuação de fazer inveja a
qualquer vendedor de feira livre, a atriz Andreia Horta lê, se emociona com a dedicatória “para Joaquina, que herdará um
país livre”, e chora. E chora. A personagem de Lília Cabral secunda: “um país
livre, é esta a sua herança”.
E se resume a isso, por enquanto,
a genialidade dos profissionais dessa grande empresa produtora de arte e
cultura (profissionais que, em massa, apoiaram o golpe de estado que resultou,
já nas suas primeiras horas, na extinção do Ministério da Cultura): transformar
num meme fútil e leviano um dos eventos mais importantes da história do Brasil
e da luta do seu povo pela liberdade: a Inconfidência mineira.
Ora, todos sabemos que essa
empresa tem capital suficiente para manter o aparato tecnológico necessário à
criação e à propagação diuturnas de
um conjunto de ideias que já foi capaz inclusive de eleger um candidato a
presidente da república, embora esse tempo já nos parecesse um pouco distante,
antes do último capítulo do golpe.
Também sabemos que a Globo pode
comprar profissionais competentes, tecnicamente falando. Só que técnica não é
tudo, e o que não nos parece muito inteligente é justo a ostentação ostensiva,
por assim dizer sobeja, desse mesmo poder de manipulação e desse ódio de classe
mal dissimulado.
Dissimulado? Até que ponto tem
sido necessária a dissimulação? Até quando a classe trabalhadora do país
aguentará calada? Foucault afirmou um dia que ninguém suportaria o poder
totalmente cínico ou como mero impositor de censura. E aí quase ouço a
resposta, sempre cínica, dessa empresa que domina a nossa mídia golpista, racista,
fascista, reacionária, corrupta e sonegadora: - Que é isso, companheiro
petralha? Não ostentamos quase nada! Nós somos capazes de muito mais!
E assim esfregam esse poder de
manipulação, de modo debochado, bem na cara daquele que lhe dá audiência, ou
seja, daquele mesmo que lhe dá esse poder. Um poder que no fundo resulta do
valor produzido justamente pela classe trabalhadora de que essa elite
empresarial depende, para ter aos seus pés produtos e serviços.
Mas o problema do poder sempre
foi o perder a mão, e, para que saibam a dose certa a aplicar para a sua desejada
propagação, é preciso que conheçam melhor o paciente!
O escárnio é a arma dos que não
têm argumentos, e é a um verdadeiro show de zombaria e cinismo que temos
assistido ultimamente no país, em todos os níveis do raciocínio e da produção
do espetáculo, da feira livre ao Senado.
Mas não nos enganemos: não há
quem ria de dentro da sua própria ignorância que não receba de volta seus
frutos estragados, mais cedo ou mais tarde.
Vamos à luta para que seja mais
cedo!
Que bom lê-la de volta!
ResponderExcluirA.