terça-feira, 28 de junho de 2011

No banho

- Essa bunda é sua, mãe?
- Claro que é, ahahah!
- E você tem outra bunda?
- Nããão... Só esta!
- Ó, no seu aniversário eu vou comprar uma bunda nova pra você, tá bom!?
- !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

domingo, 26 de junho de 2011

Envelhecer

Frida Kahlo. Las dos Fridas, 1939.


- Mãe, você vai ficar velhinha?
- Vou. Por quê?
- Porque eu não quero uma mãe velhinha.
- Ah, não? Mas eu vou ficar velhinha, sim... Mesmo porque a outra opção é pior!
- Então eu vou trocar de mãe!

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Quando crescer

Tarsila do Amaral: Operários.


A coleguinha mais velha se aproximou já lançando a pergunta:
- Flora, o que você vai ser quando crescer?
- Eu vou ser grande!

E logo depois, não se dando por vencida:
- E você, Francisco?
- Eu vou ser triste!

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Negativas II

- Mãe, eu não quero que você não fique grande!
- !?

domingo, 19 de junho de 2011

Lobisomem

- Mãe, o lobisomem é pai do lobo mau?
- Rs... É sim!

sábado, 11 de junho de 2011

A moto verde

Quando eu sei, respondo. E são dez, vinte perguntas seguidas, bombardeando a memória e a reserva vocabular. Quando não sei, digo que não sei. Ou então - simplesmente - invento, o que, em geral, torna o jogo mais interessante para mim, também, já que o que importa, primordialmente, é que consigam capturar o adulto para o diálogo, a troca afetuosa.


- Mãe, por que aquela moto é verde? (Respondi a essa da primeira vez em que passamos a pé em frente ao estacionamento, no retorno da escola):

- Porque alguém achou por bem pintá-la assim. Depois eu mesma percebi que a resposta era tola e que, entre tantas possibilidades, eu vinha escolhendo a pior e mais simplória, uma resposta que, se dita a um adulto, poderia ser interpretada mesmo como má resposta. Às vezes se age assim burramente, com as crianças, por fascínio da busca de uma verdade na verdade improvável, e na qual elas nem estão interessadas, afinal esse ainda não é o mundo das provas.

Agora, a cada vez que passamos por ali, melhoro um pouco (ou penso melhorar) o tom e o teor da resposta. Pela pergunta eu posso esperar, porque é infalível.
No primeiro dia: - Mãe, por que aquela moto é verde?
- Porque alguém achou por bem pintá-la assim.
No segundo dia: - Mãe, por que aquela moto é verde?
- Porque o desenhista que a projetou amava as árvores!
No terceiro dia: - Mãe, por que aquela moto é verde?
- Porque o pintor achou essa cor bonita!
No quarto dia: - Mãe, por que aquela moto é verde?
- Ah, porque é uma cor que tem muita saída no mercado... Vende bem!
No quinto dia: - Mãe, por que aquela moto não é azul?
- !

Por quê?

Eu até que gosto dessa fase dos quês e porquês. Mesmo quando as perguntas vêm numa cascata interminável cuja mola propulsora parece ser apenas e tão-somente o prazer da elaboração e da expressão delas - o que, convenhamos, não é mesmo pouco para quem adentra o mundo espinhoso do idioma.

Às vezes no entanto a enxurrada me atordoa, e são os dois perguntando ao mesmo tempo, numa saraivada sem fim à qual, mesmo que quisesse e soubesse, eu não conseguiria responder. Não dá pra saber o nome de todas as bizarrices que aparecem, por exemplo, no universo de uma animação televisiva:
- O que é aquilo na mão do Mickey, mãe? (Lá se foi a cena e eu não consigo dizer, não lembro, não faço ideia do que seja...)

Ou então, assim mesmo - sem tirar nem pôr -, especialmente quando passeamos a pé:
Flora: - Mãe, por que é que chove?
- É porque...
Francisco: - E por que é que fica de noite?
- Hum... Porque...
Flora: - Por que as pessoas jogam lixo na rua?
- Porque algumas são muito...
Francisco: - Por que a Melina não tem um carro?
- Eu acho que é porque ela não ganha...
Flora: - E por que você deu dinheiro ao pipoqueiro?
- Ah, porque...
Francisco: - Por que o João Vitor bateu na Eduarda, mãe?
- Não sei. Ele bateu nela?
Francisco: - Bateu, porque... porque... ééé... porque...
- !?

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Diálogo embaraçoso

Peter Brueghel: Torre de Babel.

- Mãe, o que é isso?
- O telefone novo.
- Não; isso!
- A base do telefone!
- Não, mãe... Isso!
- O gancho!?
- Não, mãe... Isso!
- Ah, tá... as teclas...
- Não, mãe! Eu quero saber o nome desse número aqui, ó!

sábado, 4 de junho de 2011

Dia das mães III

Havia umas oitenta mães sentadas diante do palco imaginário, lindamente enfeitado com nada. Para não ser injusta devo dizer que havia um cacho de doze bexigas brancas, em formato de coração, que foi distribuído para a turma de quatro anos, causando grande crise de ciúme (tácita porém perceptível) nos menores.

Afora esse pequeno contratempo, foi a mais bela homenagem que já recebi: até mesmo a canção era, de um certo ponto de vista, minimalista, e, no contexto em que se inseria, o das crianças ainda incipientes em linguagem, a letra chegava mesmo a ter o seu humor: "- Eu tenho tanto pra lhe falar/ mas com palavras não sei dizer...".

Eu, que por questões filogenéticas abomino os enfeites e bandeirolas e corações flamejantes e tintas desperdiçadas e gritos românticos e altas exibições públicas de afeto e fortes maquiagens e ópera, emocionei-me com a inusitada simplicidade daquela comemoração. Terá sido esquecimento? Escasseou o tempo para o planejamento? Ou a fada do bom gosto de repente tocou aqueles corações pedagógicos?

Eu viajava em meio a essas elocubrações quando despontou, no fim do corredor, a turma do maternal três, enfileirada de modo que cada um trazia as mãozinhas nos ombros do colega da frente, formando um trem de lindos rostos ansiosos. E vinham de uniforme, fechando com chave de ouro a singeleza da decoração.

Os olhos do Francisco me fisgaram a cinquenta metros de distância, logo no primeiro segundo. Deixou a fila e veio correndo ao meu encontro, não tendo sido difícil demovê-lo de volta à equipe, agora arrumada lá adiante.

Já a Flora parecia tomada daquela mesma completa ausência de timidez que me alcança só e tão-somente quando me encontro diante de um grande - e desconhecido - público. Seus olhos pairavam por sobre a massa de mães, sem ter ainda me distinguido entre as demais.

De repente, enquanto dedos invisíveis buscavam no cedê a faixa certa para a canção do Roberto, lá do meio dos coleguinhas ela me viu, abriu os grandes olhos e apontou com o dedo: "- Gente, olha ali. É a mamãe Andréia!" expressão que, hoje em dia, utilizam sempre que precisam me diferençar de outras mães. E continuou, em meio ao grande silêncio que já se impunha: "- Nossa, quanta mãe! Cada um tem uma?", perguntava, olhando sempre na minha direção.

Em meio à solenidade da espera e à expectativa de tantos pais e mães e avós que filmavam e fotografavam, eu respondia a tudo afirmativamente, apenas com um sinal das mãos ou da cabeça. E ela prosseguia, agora em meio ao riso das mães que lhe estavam mais próximas: "- Mãe, eu vou dançar aqui na frente!" E a sua fala vinha tão desafetada, naquela modulação deliciosamente doce que somente ela sabe dar! Parecia mesmo ignorar (curiosamente não ignorando) a presença de todos ali: "- Olha esse homem: parece o meu pai!" e "- De onde vem essa música?", quando conseguiram enfim ligar o som, estranhando ela o fato de a canção desta vez vir do alto, das caixas distribuídas pelo teto da quadra e não mais do aparelhinho ligado no chão. Por fim se rendeu à gravidade do evento e decretou: "- Agora o tio vai cantar!"

Francisco assistia a tudo portando uma expressão discreta, contudo visivelmente crítica. Se pudesse escolher, não estaria ali. Por falta de força para contrariar a maré geral, contudo, ele segue as normas, mas não faz qualquer esforço para parecer que se adéqua espontaneamente àquele ou a qualquer outro tipo de representação. Por sorte o evento era minimamente expositivo - e quase nada vexatório. Nem para ele, nem para mim.

A tia passava o microfone, delicadamente, de um a outro, e (quase) podíamos ouvir a voz de cada um deles (exceto a do Francisco e as de alguns outros rapazinhos empertigados) entoando os versos da canção. Em seguida, ainda sob o estímulo da tia, uns poucos intentaram uns passinhos simples, longamente ensaiados, mas diante de tantos olhares desconhecidos praticamente não houve movimento.

Enfim, foi lindo. Mínimo - e lindo.

O tubarão

- Por que o tubarão mora no mar?
- Porque é da natureza dele morar lá.
- E ele respira embaixo da água?
- Respira.
- O tubarão tem nariz?
- Não, ele não precisa de nariz pra respirar, porque ele não respira ar, como nós.
- E o outro nariz, pra fazer cocô? Ele tem?
- Outro nariz!? O cuzinho? Tem...
- E ele faz cocô dentro da água?
- Faz.
- O mar fica cheio de cocô de tubarão?
- Fica, mas o mar é muito grande...

Branca de neve III


Paula Rego: Branca de Neve. 

- Mãe, a Branca de Neve faz cocô?
- Ah, deve fazer, sim...
- Não, mãe, não faz não...
- Por quê?
- Porque ela está no filme!

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Hora de dormir

Eu nunca consegui que meus filhos dormissem ouvindo uma história que eu lhes contasse. Todas as noites repete-se a mesma cena: depois de inúmeros contos de fadas repletos de efeitos especiais (no começo estou sempre animada), além de alguns assassinatos impublicáveis de histórias do Rosa e de outros tantos improvisos sobre as fábulas de Esopo, a graça da narração já se fora há muito tempo, meus olhos se cerram e eu não suporto mais ouvir a minha própria voz, embargada pelo sono:
- Agora, todo mundo pra cama... Já passou da hora de dormir...

A Flora me olha então com uma expressão quase sarcástica, que, pela precocidade, me espanta. Em meio à irritação que o sono impossibilitado traz, tenho que me conter para não rir, porque um riso poderia significar mais algumas horas de vigília.
- Todo mundo?
- É, todo mundo!
- Todo mundo não cabe aqui em casa, mamãe...