sábado, 11 de junho de 2011

Por quê?

Eu até que gosto dessa fase dos quês e porquês. Mesmo quando as perguntas vêm numa cascata interminável cuja mola propulsora parece ser apenas e tão-somente o prazer da elaboração e da expressão delas - o que, convenhamos, não é mesmo pouco para quem adentra o mundo espinhoso do idioma.

Às vezes no entanto a enxurrada me atordoa, e são os dois perguntando ao mesmo tempo, numa saraivada sem fim à qual, mesmo que quisesse e soubesse, eu não conseguiria responder. Não dá pra saber o nome de todas as bizarrices que aparecem, por exemplo, no universo de uma animação televisiva:
- O que é aquilo na mão do Mickey, mãe? (Lá se foi a cena e eu não consigo dizer, não lembro, não faço ideia do que seja...)

Ou então, assim mesmo - sem tirar nem pôr -, especialmente quando passeamos a pé:
Flora: - Mãe, por que é que chove?
- É porque...
Francisco: - E por que é que fica de noite?
- Hum... Porque...
Flora: - Por que as pessoas jogam lixo na rua?
- Porque algumas são muito...
Francisco: - Por que a Melina não tem um carro?
- Eu acho que é porque ela não ganha...
Flora: - E por que você deu dinheiro ao pipoqueiro?
- Ah, porque...
Francisco: - Por que o João Vitor bateu na Eduarda, mãe?
- Não sei. Ele bateu nela?
Francisco: - Bateu, porque... porque... ééé... porque...
- !?

3 comentários:

  1. Fazer uma pergunta deve ser uma das operações mais complexas do cérebro. O ser humano talvez passe a vida inteira fazendo as perguntas erradas para os seus problemas, ou simplesmente não perguntando sobre a origem deles. O porquê remete a uma causa, a uma origem, a uma raiz, certo?
    Ou mesmo não aprendemos a perguntar. E quanto menos alfabetização ou esclarecimento uma pessoa tem (normalmente essas estão entre os mais pobres, mas não necessariamente), parece que é mais difícil para ela questionar. Para questionar, perguntar, duvidar, é preciso uma dose de coragem! E também outra de inocência... e alguma formação, algum conhecimento, por mais rude que seja.
    E outra coisa: uma vez tendo vencido a primeira etapa, cumprimos menos da metade do percurso. Porque a outra fase é ainda mais complexa - saber ouvir... ah, isso a gente ainda não aprendeu!!!!

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  2. Refiz parte do texto, depois do seu comentário sobre o não saber ouvir. É que eu não queria ser injusta com Flora e Francisco, que são ótimos ouvintes - melhores do que podemos ser, nós adultos. (O problema é que são ouvintes do que lhes interessa. Nós, civilizados, ahahah, temos que ouvir a frase inteira que o outro nos lança - tenha lá o teor que tiver - antes de responder ou de fazer a nossa pergunta). Você bem sabe que vive ali um dilema entre o relato e a invenção. Muita gente me diz que está acompanhando o desenvolvimento linguístico - ou psicológico - dos meus filhos através do blog. Tudo bem; eu jamais digo a nenhum leitor que é tudo inventado - mesmo porque não é bem assim. Obrigada pela gentileza dos comentários. Abraço saudoso.

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  3. Quanto à questão da invenção, tem um lance que assombra um pouco, nos diálogos com crianças, e que, em nome da nossa imensa responsa, pode mesmo sufocar a inventividade. Podemos tomar o diálogo ficcional acima como um exemplo: há perguntas ali baseadas na observação de fenômenos naturais, na descoberta do capitalismo e da violência. A gente não consegue falar com eles com muita soltura, nessas ocasiões. Viramos pedagogos (no melhor sentido do termo). E isso acontece exatamente porque - se notarmos bem - eles ouvem muito, tudo, muito mesmo o que dizemos. E acreditam, repetem, reproduzem. Educar não é moleza, não.

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