sábado, 4 de junho de 2011

Dia das mães III

Havia umas oitenta mães sentadas diante do palco imaginário, lindamente enfeitado com nada. Para não ser injusta devo dizer que havia um cacho de doze bexigas brancas, em formato de coração, que foi distribuído para a turma de quatro anos, causando grande crise de ciúme (tácita porém perceptível) nos menores.

Afora esse pequeno contratempo, foi a mais bela homenagem que já recebi: até mesmo a canção era, de um certo ponto de vista, minimalista, e, no contexto em que se inseria, o das crianças ainda incipientes em linguagem, a letra chegava mesmo a ter o seu humor: "- Eu tenho tanto pra lhe falar/ mas com palavras não sei dizer...".

Eu, que por questões filogenéticas abomino os enfeites e bandeirolas e corações flamejantes e tintas desperdiçadas e gritos românticos e altas exibições públicas de afeto e fortes maquiagens e ópera, emocionei-me com a inusitada simplicidade daquela comemoração. Terá sido esquecimento? Escasseou o tempo para o planejamento? Ou a fada do bom gosto de repente tocou aqueles corações pedagógicos?

Eu viajava em meio a essas elocubrações quando despontou, no fim do corredor, a turma do maternal três, enfileirada de modo que cada um trazia as mãozinhas nos ombros do colega da frente, formando um trem de lindos rostos ansiosos. E vinham de uniforme, fechando com chave de ouro a singeleza da decoração.

Os olhos do Francisco me fisgaram a cinquenta metros de distância, logo no primeiro segundo. Deixou a fila e veio correndo ao meu encontro, não tendo sido difícil demovê-lo de volta à equipe, agora arrumada lá adiante.

Já a Flora parecia tomada daquela mesma completa ausência de timidez que me alcança só e tão-somente quando me encontro diante de um grande - e desconhecido - público. Seus olhos pairavam por sobre a massa de mães, sem ter ainda me distinguido entre as demais.

De repente, enquanto dedos invisíveis buscavam no cedê a faixa certa para a canção do Roberto, lá do meio dos coleguinhas ela me viu, abriu os grandes olhos e apontou com o dedo: "- Gente, olha ali. É a mamãe Andréia!" expressão que, hoje em dia, utilizam sempre que precisam me diferençar de outras mães. E continuou, em meio ao grande silêncio que já se impunha: "- Nossa, quanta mãe! Cada um tem uma?", perguntava, olhando sempre na minha direção.

Em meio à solenidade da espera e à expectativa de tantos pais e mães e avós que filmavam e fotografavam, eu respondia a tudo afirmativamente, apenas com um sinal das mãos ou da cabeça. E ela prosseguia, agora em meio ao riso das mães que lhe estavam mais próximas: "- Mãe, eu vou dançar aqui na frente!" E a sua fala vinha tão desafetada, naquela modulação deliciosamente doce que somente ela sabe dar! Parecia mesmo ignorar (curiosamente não ignorando) a presença de todos ali: "- Olha esse homem: parece o meu pai!" e "- De onde vem essa música?", quando conseguiram enfim ligar o som, estranhando ela o fato de a canção desta vez vir do alto, das caixas distribuídas pelo teto da quadra e não mais do aparelhinho ligado no chão. Por fim se rendeu à gravidade do evento e decretou: "- Agora o tio vai cantar!"

Francisco assistia a tudo portando uma expressão discreta, contudo visivelmente crítica. Se pudesse escolher, não estaria ali. Por falta de força para contrariar a maré geral, contudo, ele segue as normas, mas não faz qualquer esforço para parecer que se adéqua espontaneamente àquele ou a qualquer outro tipo de representação. Por sorte o evento era minimamente expositivo - e quase nada vexatório. Nem para ele, nem para mim.

A tia passava o microfone, delicadamente, de um a outro, e (quase) podíamos ouvir a voz de cada um deles (exceto a do Francisco e as de alguns outros rapazinhos empertigados) entoando os versos da canção. Em seguida, ainda sob o estímulo da tia, uns poucos intentaram uns passinhos simples, longamente ensaiados, mas diante de tantos olhares desconhecidos praticamente não houve movimento.

Enfim, foi lindo. Mínimo - e lindo.

Um comentário:

  1. Daqui a uns três, quatro anos seus filhos já poderão ler esses posts... já pensou?

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