É chocante em que posições,
com que escandalosa simplicidade
um intelecto emprenha o outro!
Tais posições nem o Kamasutra conhece.
(Wislawa Zsymborska)
No dia em que chegou o
homenzinho, com suas fundas olheiras, acorremos todos a recebê-lo no pátio
central com a cordialidade com que é de praxe acolhermos os novos colegas na
galeria. Esticando a destra, ele se apresentou. Tinha sido contratado,
juntamente com outros dois profissionais, para a restauração de algumas das
telas. Apesar do estranho e repetido trejeito dos ombros, de início
não chamou à atenção para nenhum aspecto de sua personalidade e, afinal, todos
sabemos serem muito comuns, neste nosso ofício, personalidades excêntricas,
misantropos e mesmo esquizóides.
Numa das primeiras caminhadas que
fizemos pelo pátio, tendo sido eu o encarregado de lhes mostrar o acervo, notei
que uma gota de tinta escorria de um dos cantos da bolsa de Poison e, instintivamente,
ensejei avisar, mas me contive ao notar que, pela viscosidade, parecia
tratar-se de tinta grega. Quis acreditar que me precipitava, que via coisas.
Depois esqueci o acontecimento, que com o tempo se encaminhou para o mundo das
trivialidades. Não haveria razão para que alguém especializado em restaurações
levasse na bolsa uma bisnaga com material tão perigoso à sua própria saúde e à
dos demais, além de tecnicamente superado e, atualmente, proibido por razões incontestes.
Com o convívio, percebi que
naquela mesma bolsa Poison trazia sempre enfiada a mão esquerda, a qual hoje são
todos unânimes em afirmar jamais terem visto. Assim como ninguém nunca viu de
perto a sua paleta...
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