A escola em que Poison estudou
não lhe ensinara a parcimônia nos contrastes, nem a visão de conjunto – erros
fatais para o universo pictórico. E o mais importante: arrojado por títulos direto
ao mundo da pintura feita e acabada, o nosso homem sofria de grave lacuna na
sua formação: ignorava que as personagens, entre si, tinham olhares umas para
as outras – além de uma memória que permitia estabelecer relações entre o antes
e o depois, transformação de efeitos excessivamente visíveis nos seus toscos
retoques. E mais: que ele mesmo, o restaurador, era, ainda que momentaneamente,
uma personagem entre as demais.
De um dia para o outro, os
amantes que, há mais de oitenta anos, traziam os dedos enlaçados, apresentavam
uma grossa camada de tinta (a terrível tinta grega), da cor do fundo da tela,
justo no ponto em que antes se tocavam as mãos, agora artificial e grosseiramente
separadas.
No que deve ter sido o resultado
de um surto mais agudo, em uma de suas ganas de transformar, Poison tentou ainda
podar o bigode do nosso antigo jardineiro, anulando a marca mínima da rudeza, que garantia àquele
trabalhador, de natureza no fundo suave, confiabilidade para um trabalho que
era a um tempo delicado e terreal.
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