Albrecht Dürer: Autorretrato.
Num dia em que cheguei mais cedo,
pude vê-lo novamente trabalhando, e qual não foi o meu susto! Poison estava
exausto. Terminava um retoque que ao certo durara toda a noite. Parecia
enlevado pela própria capacidade de transformar figuras tão díspares como o
rinoceronte medieval e a romântica dama ruiva, ambas habitando a galeria há
mais de duas décadas. Mútuos esgares de desprezo e expressões de rancor
haviam sido decalcadas sem sutileza por sobre rostos antes delicados e alegres,
como os do grupo de crianças brincando no parque. O séquito de faunos
andróginos, considerado raridade temática entre as maravilhas da técnica, teve
a força da sua vitalidade apagada e substituída por fracos arremedos de
sensualidade. Tudo graças ao pincel indômito do pigmeu de conservatório.
Como a sua contratação tinha sido
amplamente recomendada, demorou para que eu mesmo passasse do susto à ação. E é
bom que fique claro: o desfecho só se deu porque Poison desconsiderara,
obtusamente, que era da natureza da trama ser traçada com lentidão, e que isso
o tecido perfeito exigia. Ou seja, as personagens de um dos lados do corredor
não poderiam ter notado tão imediatamente a também súbita transformação daquelas
outras, que lhes ficavam em frente, separadas apenas, as duas fileiras de telas, pelo
jardim.
E mesmo o jardim teria sofrido as
consequências de suas investidas insanas, não fosse a intervenção providencial
do diretor, porque o restaurador já tinha ganas que ultrapassavam os limites da
sua competência, e afirmava que as cores das flores não estavam bem assim, e que
era necessário podar as pétalas – sim, as pétalas! –, que a última moda do
famigerado espírito de jardinagem era manter inclusive as orquídeas no caule.
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