Não quis que me trouxessem os jornais, não importava que dia fosse, rejeitei a televisão a que tinha direito pelo plano de saúde. Quando cheguei, como indigente, o que restava de mim foi colocado numa maca com rodas enferrujadas e levado ao fundo de um corredor escuro. Tinha lapsos de memória, mas pude, enquanto me arrastavam, trec, trec, imaginar que fosse dia de visita da saúde pública, que os quartos estivessem lotados e que aquele hospital fosse um dos que aparecem na televisão no horário nobre, enquanto em casa fazemos o lanche.
A primeira pessoa se dirigiu a mim e era uma mulher alta e magra. Prestou-me os segundos socorros, depois entrou no toalete. Quando retornou era completamente outra: teria lavado a máscara de gesso e diluído em lavanda o odor de éter. Também encolhera muitos centímetros. Estaria deixando o plantão. Imaginei-a caminhando lá fora, em todos os sentidos, na direção que desejasse, apanhando o ônibus e passando pelas ruas cinzentas da periferia. Nesses primeiros momentos a dor era apenas insuportável, como uma mordida de cachorro, que alivia ao pressionar. Depois foi crescendo e a cada novo relance eu me esmerava em comparações para distrair os relances que me punham fora de órbita. Era como estar dependurado pelo dedo do pé, era ter os dentes arrancados sem anestesia, agulhas fincadas sob as unhas, era uma mordida de dragão hidrófobo. Os remédios deviam ser muito fortes e caros, porque só eram aplicados quando eu não mais suportava e já uivava, perdendo toda lucidez.
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