Sabia enfim a dor. Relembrava o irmão mais velho e o antigo conselho urrado pelo pai quando quebrávamos os braços caindo do abacateiro, ou tínhamos de arrancar dentes ainda não de todo moles, ou quando nos picavam marimbondos, ou quando nos queimavam os vizinhos nas brincadeiras com álcool, ou quando vinha o farmacêutico aplicar injeções em cujo efeito acreditávamos, acostumados que estávamos a retornar sempre à saúde, depois de um curto período de reclusão. Para o pai a única dor era física, e outras não existiam. Quando tínhamos de passar por grande sofrimento físico, ensinava: “– Sintam raiva, sintam muita raiva”. E nos dava uma toalha úmida enrolada para morder. Com o tempo a raiva foi se estendendo como antídoto a todas as más ocasiões: às provas na escola, às viagens de ônibus, às filas. Aprendemos a ligar a ira à labuta diária, ao investimento objetivo, à própria vida enfim. E justo graças a ele, que sofrera a vida inteira de dores que não eram físicas, um perseguido mental.
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