quarta-feira, 30 de maio de 2012

A árvore da felicidade


Aquele homem segurava a criança como se fosse um trunfo, um troféu, meio erguida reta ao lado de seu próprio ombro farto. Juro que nunca vi uma criança ser carregada assim por ninguém. Ela nem lhe aderia ao corpo, portanto não parecia dele, nem perdia completamente o equilíbrio, que, logicamente, vinha do fato de a mão do pai a sustentar a partir das nádegas.


Era estranho. E olhe que já vi bebês dependurados nesses panos coloridos, tipo saris, que os jovens pais alternativos acham o máximo, e principalmente nessas cadeiras de pano que deixam as perninhas completamente abertas e às vezes esmagadas... Já vi aqueles que carregam o bebê de costas para si e, nesses casos, especialmente quando ainda muito novinhos, eles ficam completamente perdidos do eixo que é o pai (ou a mãe), e saem sendo levados por aí, os olhos não conseguindo ainda se fixar em nada, numa vertigem quase palpável; e o pai andando, apressado, pela calçada lotada, pela rua, pelo supermercado. É incrível como a última coisa para que olham é para aquele ser que lhes saiu das entranhas e que deveria, agora, lhes interessar como é que se sente no novo mundo. 

Mas aquele pai era diferente. Achei que pudesse constrangê-lo com meu olhar, então mantive os óculos de sol. Aliás, me pareceu mesmo que se comportava assim  por estar sendo observado, já que, junto com o esquisitíssimo modo como segurava a menina, que devia ter uns três anos - se muito -, mantinha também na cara um sorriso falso que beirava a imbecilidade perigosa. Notei que não era somente eu que o olhava. Tive vontade de socorrer aquela menininha linda, de roupinha lilás e um cabelinho tão mal arrumado que só podia mesmo denotar a mais completa ausência de uma mãe. Quando será que me livrarei desse especial apego às crianças? Talvez quando tiverem crescido todas, no mundo, e tiverem se transformado já naquele pai postiço, naquela mãe inexistente ou nessa observadora inútil que vos fala.

O fato é que a criança caiu. Já me alertaram para que tenha cuidado com as minhas palavras, e eu tinha acabado de dizer ao Miguel, ao meu lado: "Aquela menina vai cair!". "Cai nada, ele disse!". Caiu. O pai não era alto - pensei nisso na hora, torcendo para que a pancada tivesse menos impacto, mas a verdade é que a garota, inacreditavelmente, caiu com os olhos justo sobre um arbusto que enfeitava a entrada do restaurante, e a planta tinha sido recém-podada. Desgraçadamente, chama-se árvore da felicidade. Ninguém no entorno via meio de remover-lhe dali a cabecinha morena, fincada justo pelos dois olhos.

Não digo mais. Mais não digo. Tenho medo das minhas palavras.

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