De repente trepidou a nau e somente eu fiquei à deriva, náufraga. Com grande dificuldade para me manter segura à borda e com receio de que ocorresse o mesmo aos demais, consegui apoiar a mão gélida no que sobrava daquela parte da embarcação. Sem saber ao certo por quê, tive receio de que os tripulantes, especialmente o capitão, me pisasse os nós dos dedos, fazendo com que eu me desgarrasse de vez mar a fora, na forte correnteza daquele vento sul de lua grande.
Lutando por respirar, com a cabeça já praticamente mergulhada, eu nem mesmo podia gritar por salvação. Somente meus olhos imploraram e imploraram um gesto de misericórdia, mas encontraram os olhos insanos, indiferentes, do capitão. Estranhamente, já não tinham órbita nem ponto fixo. Jamais me esquecerei dessa imagem sem comparação.
Ao me ver no auge da agonia silenciosa, ele se aproximou rápido e estendeu a perna na minha direção. Estava pronta para agarrar-me ao seu pé quando, em meio à tormenta, senti no topo da cabeça a força da sola dura da sua bota, empurrando-me para o fundo.
Foi o primeiro - e último - gesto firme que o vi cometer em sua longa vida de marinheiro.
Do além, não mais preciso consultar dicionários: misericórdia significa miséria no coração.
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