quarta-feira, 17 de abril de 2013

Carta de amor em pedaços 8


Mesmo porque a carta era mais bonita.

Encantadoramente ridícula, nela se podia divisar você inteiro, desde os pés, incrivelmente pequenos, até o arco exótico das sobrancelhas, passando pelos músculos dos braços e das costas, anti-acadêmicos, e um certo modo de dobrar o corpo sobre si, herdado do pai.

Nela, o meu amor era um córrego.
E eu poderia parar por aqui, no ranço de algum ressentimento, mas é a própria escrita quem (atente ao pronome) quer ir além.
Você deveria parar aqui, no pródromo de algum temor, mas a própria escrita é quem puxa você para diante, você quer se reconhecer: tudo o que diz respeito a você lhe interessa – e ao menos agora você tem uma carta. Você tem uma carta? Ao menos você, tem uma carta. Sim, você tem ao menos uma carta – ainda que pública, o que resguarda do risco de que você venha a torná-la... pública!

Inclusive ela pode – ou não – ostentar o seu nome: no início? no final?

Diante da imponência da sua figura indiferente, o amor pode brilhar - quem sabe! - numa nota (encolhida) de rodapé.
 

5 comentários:

  1. Estou vibrando a cada carta. E, também, me deliciando com sua sempre maneira de conseguir, na dose certa, unir delicadeza com aspereza. Acho que isso, também, torna suas cartas tão przerosas de serem lidas. Elas têm me "atravessado" como um golpe que mal se sente à primeira vista, mas que fica latejando após as leituras...

    ResponderExcluir
  2. Acho que "em pedaços" ficou melhor por causa do efeito. Parece que "em pedaços" é mais indefinido, ao passo que "aos pedaços" é algo definido, no caso o amor que, como representado nas cartas, não se define, ou talvez se defina pelo traços borrados, pouco nítidos e definíveis com que é construído!!! Acho que pode ser isso!!

    ResponderExcluir
  3. Penso isso também, sobre "em pedaços" ser menos indefinido. Beijos.

    ResponderExcluir
  4. Repleto de uma ironia amarga. Se há amor haverá mágoa. Mas o bom mesmo é esse jogo aí entre o amor (não) correspondido? (só temos o ponto de vista da mulher que escreve) e a própria escrita com seus artifícios. O amor pode se recolher a uma nota-de-rodapé é muito bom!

    ResponderExcluir
  5. É verdade, é pura metalinguagem.

    ResponderExcluir