domingo, 12 de agosto de 2012

Encontro com Renato Pacheco, parte 4

Praia de Camburi. Vitória, ES, 1969. Fonte: http://fotosantigasdevitoria.blogspot.com.br/


O mais curioso era que Renato Pacheco lia a longa história sem virar uma página sequer do livro, e praticamente sem movimentos nos olhos. Pareceu-me que criava na hora aquela história, mas a riqueza de detalhes exigiria uma imaginação mais que prodigiosa e uma mente sintaticamente infalível para poder transformar todo o imaginado, no momento mesmo da imaginação, num conto acabado, com começo, meio e fim, como o era aquele dos cegos.

Enquanto o ouvia, pensei por vezes: por que escolhera justo aquele texto para me oferecer neste nosso reencontro? Teria sido puro acaso? E logo agora, quando ando em apuros com a visão... De todo modo, lia como um cego, ou um iluminado, falando como se as palavras lhe brotassem da boca sem o mínimo esforço. Estou certa de ter ouvido pelo menos umas vinte páginas, retiradas todas como que do centro inerte da folha.

E o conto se encerrava assim: “Havia sombras muito misteriosas na garganta, o azul se aprofundando para o púrpura, e o púrpura para uma escuridão luminosa, e lá em cima estava a ilimitada vastidão do céu. Mas ele não mais prestava atenção nessas coisas; ficou bastante quieto por ali, sorrindo como se estivesse satisfeito simplesmente por ter fugido do vale dos cegos, no qual tinha pensado ser rei. O brilho do pôr-do-sol passou, a noite chegou, e ele ainda estava quieto, deitado, em paz e contente sob as estrelas frias e claras.”

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