sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Amanhecer enfermo


Frida Kahlo. A coluna quebrada.

Amanhecer enfermo é como entrar no pesadelo de outrem. E como a doença só surge quando estamos sãos, o que é plenóbvio, nos apanha sempre de surpresa - como uma topada na calçada, um dedo preso na porta do carro, uma tempestade. Não temos tempo de nos despedir da saúde, sua saída é a própria entrada da doença. Não há vaga ou espaçamento entre os estágios, o que os transforma quase que em um mesmo estado, sequenciado. É possível que haja alguém meio doente ou meio são? Apenas em rara abstração conceitual. E a doença? Podemos nos despedir dela, estando ainda dentro dos seus domínios? Ou será a doença - como a saúde - um estado do qual só é possível despedir-se a posteriori, estando ela já distante? Podemos ainda nos perguntar: será isso, ainda, uma despedida? Pensamos que as mesmas interseções que ora percebemos na relação entre saúde e doença também se aplicam à dupla vida-morte.

3 comentários:

  1. Essa relação só se fez presente hoje porque sempre buscamos a doença para explicar a morte. E assim se faz como sempre fez. A morte não pode ser simplesmente ela. E a doença é assombrada, pois morte que é morte, só pode ser ruim. Será isto? De fato, quem ficaria feliz com uma despedida sem retorno? No entanto, quando é que zelamos totalmente pela saúde? Eis o paradoxo humano... sois assim, assim somos.

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  2. Doença, para mim, é uma espécie de preâmbulo da morte, como um avisinho que está nos manda. É como duas forças em luta: saúde x doença. Quanto mais saúde temos, mais vivos nos sentimos; no lado oposto, mais se percebe a fragilidade da vida. Mas há pessoas para quem a doença é apenas doença, algo que precisa de cura, e não um estremecimento com a vida. Creio que não se pode chamar-lhes de melancólicos.

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  3. Ooops! Percebi no comentário acima um erro de acentuação gráfica: "está" por "esta"... gostaria de culpar o novo teclado, mas isso simplificaria deveras o que estava sentindo quando escrevi o texto. Na verdade, ao contrário da entrada súbita da doença, a saúde costuma voltar de mansinho, como parece estar acontecendo comigo agora...

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