terça-feira, 30 de julho de 2013

Conversa na padaria

- Boa tarde!
- Boa tarde!
- A mentira tá quanto?
- Um real cada.
- E a verdade?
- Rs... verdade a gente não fabrica.
- Falta matéria-prima, né?
- Deve ser.
- Mas, se fabricassem, a senhora acha que sairia mais barato ou mais caro que a mentira?
- Mais barato, né?
- Mais barato!? Por quê!?
- Porque não tem saída, não. Só se fizesse com a mesma cobertura da mentira, a canela e o açúcar.
- Ah entendi, a verdade é menos saborosa né?
- É...
- Hum... Então me vê duas mentiras, por favor. Mas a senhora é prova de que eu queria levar a verdade...

O tempo

- Quantos dias faltam pra Noite do Pijama?
- Quatro.
- E quantas noites?
- Três.
- E como eu faço pra o tempo passar mais rápido?
- Tente esquecer a Noite do Pijama.
- Se eu esquecer, o tempo passa?
- O tempo passa sempre, esquecendo ou não.
- Então por que esquecer?
- Porque a espera faz parecer que as coisas que a gente deseja demoram mais.
- Mas se eu não esperar nada acontecer, o tempo vai servir pra quê?

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Belo dia

- Que dia bonito, não é, mamãe? O céu não tem nenhuma nuvem e, por enquanto, a vovó não morreu!

domingo, 28 de julho de 2013

Almoço em família

Ilustração de Gustave Doré para O Pequeno Polegar.
 
 
Os quatro chegaram ao restaurante com camisas idênticas na estampa e pequenos detalhes diferenciadores. A do pai tinha gola alta, a da mãe, mangas longas, a do bebê tinha um saiote e a do garotinho de oito anos era de botões.
Foi ele quem se dirigiu ao garçom:
- Moço, tem uma mesa com quatro lugares?
E para a mãe:
- Nós somos uma família de quatro pessoas, não somos, mãe?
- Larga de ser chato, garoto!
O pai interveio:
- Vai brincar no parquinho, seu maricas!

sábado, 27 de julho de 2013

Metempsicose

- Mãe, adivinha o que eu vou ser quando eu morrer e nascer de novo!
- O quê?
- Um verme.

Aula de pintura 2

Joan Miró.
 
- Mãe, olha aqui: eu desenhei um menino e a montanha.
- Bonito.
- A tia disse que a montanha é muito pequena.
- Foi?
- Foi, mas eu expliquei a ela que a montanha não é pequena; é que ela está longe.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Tradução (tradução)



Eu sou uma chamada perdida,
meu nome deve ser ocultado,
recado inaudível
tremulando na caixa postal.


Eu sou um romance impublicável...


Segundo cigarro interrompido,
café da manhã pela metade,
sou um chiste, um lapso,
o louco que usa duas xícaras.




Tradução da tradução espanhola do poema “Tradução”, do poeta capixaba Regino Oscuro.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Haikai final




Célia Ribeiro.




restos de aço na boca:
minha vida inteira
é te abandonar.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

sábado, 20 de julho de 2013

Ressentimento

 
 
 
 
 
 
 
O ressentimento é uma gracinha.
É como escovar os dentes com sabonete.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Botas

- Mãe, você me leva no Polo Norte?
- Ao Polo Norte? Por quê?
- Porque aqui eu nunca vou poder usar essas botas.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Dança passiva

Henri Matisse: A dança.
 
- Você está dançando muito bem, hem, meu filho!?
- Eu não estou dançando não, mamãe; eu estou sendo dançado. A música tomou conta de mim.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Surreal

- Mãe, eu sonhei uma coisa...
- É? O quê?
- Que fazia uma pipoca quando você soltava um pum!
- KKKKKK...

Na escuridão do quarto

- Quem está aí?
- Sou eu, o Francisco. E aí é você, mãe do Francisco.
- Rsrsrs.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

As palavras e as coisas


- Mãe, por que ervilha se chama ervilha?
- Não sei, meu filho. Tenho que pesquisar.
- Quando inventaram o nome ervilha, a mãe do meu pai já existia?
- Não, ainda não; foi antes.
- E a ervilha já era desse jeito mesmo, naquele tempo?
- Ah, era... Essas coisas mudam muito pouco, e muito devagar.
- Mãe, o que é que muda mais: as coisas ou os nomes delas?

domingo, 14 de julho de 2013

Manoelina

Cícero Dias: Guarda-chuva.


- Mãe, deixa eu ser sua mãe um pouco?
- Pra quê?
- Eu quero te ensinar a fazer coisas inúteis.




Cardápio

- E então, o que é que vocês querem comer no almoço?
- Eu quero salmôndega!

sábado, 13 de julho de 2013

meu perfil

Liu Bolin.

recebi um convite
para quebrar bancos

diz-que é o meu perfil

só se for o esquerdo
o da sobrancelha meio falha
resultado da queda da gangorra

meu perfil é viver num tempo
em que não há palavras
para descrever um perfil

um tempo em que um perfil
se compra num e-mailing

um perfil
é menos que um número

menos que uma página de adornos
e horkheimers

um perfil não é mais analógico
um perfil é um dígito

não, um perfil é um pixel

ou menos - ou mais - que isso.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Amor ao ausente

 
Célia Ribeiro.
 
 
 
 
É fácil amar o ausente:
suas palavras
cascateiam mel.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Pé de moleque

- Mãe, onde é que nasce o amendoim? É no pé de moleque?

quarta-feira, 10 de julho de 2013

O coração 5

- Mãe, o coração é grande?
- Depende. Por quê?
- Porque se fala coraçÃO...

terça-feira, 9 de julho de 2013

Morrer 2

Cícero Dias: Moças no barco.


- Mãe, quando a gente morre, a gente deixa de existir?
- É...
- Quando a vovó morrer, você vai ficar sem mãe... Você vai ser feliz assim mesmo?
- Eu vou ser menos feliz.
- Hum... E você vai morar nesta casa até ficar velhinha?
- Acho que sim, se a gente não se mudar...
- Mãe...
- Sim.
- Eu não quero que você morra.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

euliricolorilírio

Rembrandt: Jovem.
 
 
 
euliricolorilírio
 
 
 
 
 
 
 

sábado, 6 de julho de 2013

Imbecil e indecente

As crianças espalham as miniaturas pelo chão. Simulam dois fazendeiros inimigos que dividem terra.
- Você destruiu toda a minha plantação, seu indeciso!
- É pra você nunca mais matar o meu gado, seu inocente!

sexta-feira, 5 de julho de 2013

À mexicana


 
Modigliani: Nu deitado.



pimenta
limão
gelo
sal
e você












 

quinta-feira, 4 de julho de 2013

julho

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
mesmo o mês
diz o seu nome









 

junho

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
saudades
da sua ausência









 

maio

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
nada mais
que mais um mês
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Tias


- Mãe, a tia falou que as meninas são obedientes e os meninos são agitados.
- Ah é? Amanhã pergunte a ela como são as tias: se são obedientes ou agitadas.