quinta-feira, 27 de setembro de 2018

o tempo que quero
e demando
o mais preciso
cada prazo
que imploro
para sobre ele
por pirraça
espernear
o intervalo
que meço
acaricio e
minuciosamente
recorto
para depois
lançar pelos ares
esse que
no peito
à meia noite 
afia os dentes
e à luz do dia
devora as entranhas
o termo
tão desejado
sol silêncio e solidão
é o espaço
em que me faço
para retomar você

sexta-feira, 14 de setembro de 2018


há esses amores
nascidos dos fins


fins de noite
fins de ano
fins da vida


de outros amores


sem trégua
sem causa


são frutos maduros
do assento do tempo


inescrutável
inarredável
inadiável

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Ao retorno do invasor

Acordo de falsos sonhos tranquilos. As mãos parecem úmidas, porém estranhamente vazias. Ao lado da cama, vejo a lata do lixo onde está a coisa, e uma faca de jardinagem. Calculo o tamanho que deve ter o corte necessário para fazê-la retornar ao seu lugar. Além da pele e de pequenas camadas de músculos, será preciso romper alguns nervos, veias grossas e delgadas. Limpo a faca, amolo-a cuidadosamente. O fio fino brilha à luz primeira do sol. Mais uma vez, será sem anestesia, às cruas, sozinha, e à mão. No lado esquerdo do colo, entre um que outro rubis, apalpo a área já quase cicatrizada. Finco a lâmina com uma força sobreminha, como se se tratasse do peito de um outro. Desta vez não há, dentro, nenhum conteúdo a proteger. A boca de carne se abre para receber de volta o invasor. Apanho-o rapidamente na lata de lixo. Parece intumescido, e mais pesado do que na saída. Será preciso talvez ampliar o corte. Capricho nas bordas, com um estilete. Aos poucos aproximo a coisa do corte que praticamente a suga, ajeitando-a de volta no nicho do qual, de repente, parece nunca ter saído. Em questão de minutos, ela aparenta estar de novo bem arraigada. Começo a sentir o ritmo constante da sua batida, que apenas vacila um pouco no início dos trabalhos. Ergo-me da cama, ajeito os cabelos. Hoje vou chegar atrasada.

segunda-feira, 23 de julho de 2018

pronominada

eu te amo
muito mesmo


amo mais
quando você não está por perto


e não se exibem
sob o claro sol
as suas grandes qualidades


amo
amo mais
mesmo muito


à distância
o seu silêncio
e a sua ausência


só então
teu vasto vazio me preenche


e o timbre teu
faz tanta falta



quarta-feira, 11 de julho de 2018

santo,



no entanto


sob a copa
cerrada
do biombo


mãos no cutelo


o santo tarado
houve-me toda
até o fim


enquanto
larvas mornas
percorrem-me
as coxas
e lesmas lentas
lhe entram
pelos ouvidos


conquanto que


sacros e sonsos


relativamente
endividados


indivíduos


ou vimos a voz.









domingo, 24 de junho de 2018

a onda



que linda onda
tão boa
uma maré assim
deixa o céu mais azul



sábado, 23 de junho de 2018

Work in progress

- José Dirceu!
- Preso!
- José Genoino!
- Preso!
- Dilma!
- Impedida!
- Teori Zavascki!
- Morto!
- Marisa Letícia!
- Morta!
- Lula!
- Preso!
- Cancellier!
- Suicidado!
- Marielle!
- Assassinada!
- Paulo Sérgio Almeida Nascimento!
- Assassinado!
- George de Andrade Lima Rodrigues!
- Assassinado!
- Carlos Antônio dos Santos!
- Assassinado!
- Leandro Altenir Ribeiro Ribas!
- Assassinado!
- Márcio Oliveira Matos!
- Assassinado!
- Valdemir Resplandes!
- Assassinado!
- Jefferson Marcelo do Nascimento!
- Assassinado!
- Clodoaldo dos Santos!
- Assassinado!
- Jair Cleber dos Santos!
- Assassinado!
- Fábio Gabriel Pacífico dos Santos!
- Assassinado!
- José Raimundo da Mota de Souza Júnior!
- Assassinado!
- Rosenildo Pereira de Almeida!
- Assassinado!
- Eraldo Lima Costa e Silva!
- Assassinado!
- Valdenir Juventino Izidoro!
- Assassinado!
- Luís César Santiago da Silva!
- Assassinado!
- Waldomiro Costa Pereira!
- Assassinado!
- João Natalício Xukuru-Kariri!
- Assassinado!
- Almir Silva dos Santos!
- Assassinado!
- Ruan Reis!
- Assassinado!
- Damião Marcos Reis!
- Assassinado!
- ...!
- ...!
- Eduardo Cunha:
- "Deus tenha misericórdia desta nação!"

quinta-feira, 21 de junho de 2018

quarta-feira, 20 de junho de 2018

amor fati



dou de ombros
eu gosto do que há
de afronta
num pepino




quinta-feira, 7 de junho de 2018

resenha



você fez pior
que me mandar embora
deixou-me ir embora


imperceptivelmente
camada por camada
cebola da qual se busca o miolo


até sorrisos e cabelos
fugiram pela fresta
dispensando o vento que abala as colunas


por detrás de cada agulha
o perfil de uma fruta perfurada
escorrendo sua gotícula verde


por fim surge do imenso mar
o inevitável, o plácido cadáver
afogando você na gota que faltava


agora vai ver se eu estou na esquina





segunda-feira, 4 de junho de 2018





de doce
basta a vida







domingo, 3 de junho de 2018



olhar o mais específico
e tomá-lo por abrangente


eis o mistério da fé





sexta-feira, 1 de junho de 2018

divan persa


sob o som da sua voz
doce violenta
deposito aos seus pés a oferenda:


para trocar por suas pratas,
sons de tempos em caracóis.


ao largo lagos brilhantes a despontar,
aqui e ali soçobra areia -


cera arena cena sereia


- ostras me cortam os pés
sobre os rochedos insulares
quase imersos já
no infinito espelho d'água.


para leste e para oeste,
dos dois lados da mata escura,
as atrativas sirenes...


espere: tudo -
nada -
mais nos separe.











quarta-feira, 30 de maio de 2018

palavras



eu desejo palavras


me dê a sua palavra


eu quero uma palavra
que palavras me dê


eu lhe dou a minha palavra





sábado, 26 de maio de 2018

Coisamente

A felicidade invadiu tudo. As redes, os rostos, os restos... é riso que não cabe mais... É brinde, é presente, é parente...
Que seria da felicidade, não fossem próteses dentárias? Que seria?
A moça feia na foto está belíssima. A gorda semelha uma sereia. O velho, um efebo. Os maus amigos se suportam em nome não da amizade, esvaziada, mas das fotos a postar no Face. O Face é a verdadeira face do sem face.
Importa menos comer que mostrar. Não interessa muito viajar, mas fotografar para postar. Mesmo o mergulho na piscina tem que ser capturado, e, se não não houver por perto quem o faça, para isso já existem celulares que mergulham.
E que solidão, que nada! Que tristeza, que nada! Que tempo perdido, que nada! Que leitura, que nada! Altruísmo, Nada! Política? O mundo? Nada!
Selfie, selfie, selfie... Sílfides, celulite, um bom lugar pra ler um livro... Isso tudo é passado... Agora eu tenho o agora. Na verdade não o tenho, mas tenho um Facebook na cabeça e uma câmera na mão - e isso me basta.
As crianças vão bem, cada uma no seu celular, não dão trabalho. Trabalho com criança também é coisa do passado, démodé. Quem pensaria em postar uma foto trocando uma fralda? Trocam-se kisses e likes... coisas assim são fáceis de trocar - não custam centavo.
Nas fotos são todos felizes, alegres, contentes, suaves, bonitos, bronzeados, amados, espertos, inteligentes e bem resolvidos.
Menos os que se mataram.
Preferiram (os delicados) morrer.
Eu sou a coisa, coisamente.

segunda-feira, 14 de maio de 2018


a go ta que fal
ta go ta que fal ta
go ta que fal ta

                        v

                        a



                       

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Redução

Estendido o tapete, Ele a empurra, de joelhos, para a ponta mais macia, que semelha o lombo de uma almofada.
O gesto hoje teve algo de simuladamente macho e brutal, ela observa, mas sabe de antemão que esta será mais uma tarde sem surpresas, entre tantas tardes de joelhos na ponta do tapete.
Ele ainda lhe lança aos pés uma outra almofada, e esta é um objeto de verdade, no entanto parece cair infinitamente.
Ele leva a mão esquerda ao cabelo dela, retirando-o do rosto, enquanto a direita acaricia o seu próprio quadril, liberando assim a visão do ato para uma câmera invisível que no entanto, ambos o sabem, os vigiará até o fim.
Ela se aproxima, já um tanto duvidosa sobre a veracidade do seu desejo voraz.
Percebe-se a mulher no foco da câmera, mas não parece tirar disso qualquer satisfação. De repente se nota que tudo mudou nas dimensões.
Câmeras, câmaras... Dimensões de mansões.
Diz algumas palavras encorajantes (aquelas mesmas que precisava ouvir). E mete a boca.
Mete a boca, era o que Ele pensava já em falar para o Mário, quando o encontrasse.
Por uns segundos ali Ele pensa no Mário. Os pensamentos desviantes que poderiam até auxiliá-lo, estranhamente não o auxiliam nessa hora.
A mulher tem os ombros caídos. Infinitamente.
Não é difícil a Ele contudo manter firme a coluna diante do trabalho empenhado de alguém que o libera do seu próprio esforço. Ainda que, no final, nem sempre se colham frutos.
Ele, por vezes; ela, jamais.
O fantasma do Mário se afasta um pouco, mas outras sombras o substituem de imediato.
A mulher tem os ombros caídos, era só o que notava agora, com insistência. Como alguém pode trazer os braços tão pendurados a ponto de parecer mesmo que não tem ombros? Seria um novo fantasma? Um problema congênito? Má formação? Ou seria o vício dos que limpam o chão para que outros passem? Que peso fora posto naquelas costas? Quem o teria colocado ali? Seria a deselegância o estigma dos que são postos, diuturnamente, de joelhos?
Sacudiu a cabeça para espantar pensamentos insetos. Voltou a pensar no Mário. Aquele fantasma era um recalcitrante.
Súbito sentiu como se o diâmetro entre os seus dedos não fosse mais suficiente para recolher o tufo crespo dos cabelos da mulher.
Ela seguia empenhada, mas alguma mudança já se notava no pedestal em que Ele se habitava.
A coluna agora começava a dar sinais de fraqueza. No fundo, ela esperava o golpe de misericórdia, viesse de onde e como viesse. Mais uns segundos e não poderia manter o corpo ereto.
Ele tinha encolhido alguns centímetros e a sua boca deslizava para áreas em que apenas produziria cócegas.
De todo, não reclamaria... Aquela tarde tinha sido diferentemente estragada. Ele ria sarcástico, a culpa era dela. As mãos dEle, em geral muito pouco hábeis, tentaram qualquer gesto de ordem prática, mas os dedos agora não lhes pareciam, nem a Ele, nem a ela, suficientes, e ela olhava impressionada para o homem que encolhia à sua frente, a olho nu.
As dimensões todas do corpo tinham diminuído em muitos centímetros. Apenas a cabeça permanecia quase do tamanho natural, o que, antes que sorte ou mérito, semelhava mais um castigo: ter de assistir, consciente, à sua própria redução.
Recostou-se na cama. A mulher se ergueu e ajudou, apanhando-o no colo.
Por alguns minutos ficaram inertes ali, num canto, a olharem ambos para aquele corpo já ínfimo, e que encolhia. A essa altura tinham quase desaparecido seus dedos inúteis, o pênis já nem mais existia.
Ela chorava, entre chocada e liberta.
A câmera há tempos fora esquecida.







sábado, 21 de abril de 2018

antropofagia


e se eu disser que comi a tua pele
soará talvez a metáfora qualquer
rima de insone
no fogo fátuo da madrugada
enquanto espantas o pó do corredor
curtindo embora os ombros lacerados
as cascas a gingar em plena metamorfose
e eu ainda afagando o estilete
alguém, quem
creditará a mim o ter-te devorado
sob o blecaute dos amores impossíveis
somente a cama ao meio dia em brasa
afiar no teu peito de pedra os confidentes
de diamantes que o atrito não consome
e descoser assim a tua carne
fibra por fibra


segunda-feira, 9 de abril de 2018

terça-feira, 13 de março de 2018

O tapete


Primeiro foi a infância, longa feito uma noite escura...

Quando foi despertada, na caixa de sapatos, ao som do próprio choro, dizem as péssimas línguas, tinha nos dentes os restos sugados da fralda que lhe deixaram como peça de herança. Retorcida sobre o tronco para sugá-la, era como se tivesse dado à luz a si mesma. Mãe não havia; pai seria o Tempo.

No rastro do primeiro engatinhar, um observador mais atento via o contorso de um bicho raro, promissor habitante dos ermos, desses que da escassez da água jamais se ressentem.

E a criatura trazia nas entranhas um pacote, o seu tempero era o paradoxal, tudo misteriosamente presente antes ou desde a pequena caixa fria, o anti-berço de ouro forjado (ironicamente?) no papel dourado projetado para os embrulhos caros dos melhores presentes daquele Natal. Dali também lhe viria a única outra herança da errança, o epíteto "Berço de ouro", que no entanto não lhe restaria na lápide, e que nem mesmo dará nome a esta narrativa.

Depois, cada requebro de fraqueza que lhe davam os joelhos, sutil, ela fazia reverberar pelas coxas acima, subir pelas ancas e ir descansar nos ombros, onde morria aos poucos, porém bem aproveitado, intuitivamente, como doce massagem e afago da solidão.

Assim também, graças a um jeito de corpo, processava, diariamente, o alimento que lhe caía nas mãos, e que era, invariavelmente, em quantidade muito maior ou muito menor que aquela que de fato necessitava.

No primeiro caso, armazenava; no segundo, ruminava até a chegada da próxima remessa.

Ora eram os modos de uma cobra exausta, que relaxa enfim de sua lenta luta e chocalho, a cada vez que o ventre se acha saciado; ora era um boi fatigado, que longas horas sem fim passa a retemperar o quimo do pregresso na sua íntima caldeira de ácido.

Em breve os dedos do povoado se esticariam na sua direção, se por nada mais, porque ela andava, e sorria e comia e rastejava como quem vai ao fim do mundo, onde ele é feito de massas e carnes e doces em barras que farturam pelo caminho, entupindo as frestas, apertando a glote dos comentes e, mais ainda, a dos que não comem...

Um dia porém – davam-se férias nesta parte do globo – acordou cedo e com enorme sede de entornos. Em parte, era como se seguisse dormindo e sonhando com amplas fraldas desfraldadas. O pé roliço foi saindo de sob o edredom, a perna se dobrou lenta, pesada, redondamente. Ela torceu o corpo sobre si mesma e, com uma mão firmemente assentada sobre o colchão e a outra se erguendo no ar feito um branco morcego obeso, deu um pequeno impulso e sentou-se ao pé da cama, suando como a mucama do Sísifo.

Erguer-se, agora, era um segundo projeto.

Quando alcançou enfim a tomada, já o receio de ver-se à luz da lâmpada amarela se ampliara... O que ela, num repente, desejava, com uma força nunca antes pressentida, era sugar para dentro de si a tomada, o fio, a lâmpada - e a luz. Findo o processo, caiu de quatro sobre o grosso tapete de pelos duros que cobria parte do assoalho, sendo como que arrastada pelo desejo incontrolável de engoli-lo também.

Achegou a cabeça mais perto da borda e, erguendo-a na densa poeira que pairava na altura do rodapé, abocanhou de vez a ponta, que súbito desceu quadrada, e somente depois, com o aumento da deleitosa voluptuosidade, foi entrando goela abaixo facilitadissimamente.

Como serpe que devora uma presa maior que o seu próprio corpo, foi pondo o tapete para dentro aos solavancos involuntários da glote, até que naquele cânion desapareceu a última franja peluda.

Descansou uns longos minutos em torno da nova, vitoriosa cratera, que semelhava um corte quente, feito a frio na frouxa carne assolada da criatura. Gotículas de magma saltavam incontroláveis.

Aquele, um dia, foi um belo tapete.



sábado, 24 de fevereiro de 2018

ponto de fuga para N



Conversion. Egon Schiele.

no epílogo da tarde
eu busco ainda
as paisagens sem barreiras


o fundo
múltiplo
dos espelhos


o gozo rasgo


eu gosto de homens sem medo
de camisas sem botões
e de nacos de palavrões


a mãe no pai
o u
um eito de carnes rijas


e o calor da palavra
macerada
entre dentes quentes


o simples somente sexo


amplexo







domingo, 28 de janeiro de 2018

linguagem



do pomo que a tarde madura
em torno do seu corpo e meu
exala inteira a dialética do amor




no mais ínfimo hiato entre línguas
cada pergunta absurda se oferece
a todas as respostas indecentes


obscenas senhas sutis
sussurros infinitos dos mirantes
queixos que afundam em carnes
perfumadas de outras carnes perfumadas


troncos colidem
na correnteza de corpos espasmos
fecundando a nascente de um novo rio


sons de sapos em lagos


mel das abelhas líquidos fluentes
quebrar de cascas muito finas
estertor de animais paridos


estoura a bolha do silêncio

























segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Insônia


 

Ai, meu poema de sombras,
Absorva o leite fresco de camas e fronhas.
(Paulo Sodré)



Súbito, entre um suspiro e o cadafalso do segredo,
o gancho sinuoso do seu nome
se escapa e sibila assoprado sobre a escarpa dos seios.


Anfíbio de dias e luas,
encilha silente a tropa dos desejos,
insones sobre uma poça ardente do saara.


Rasgando bandeiras e aras,
amamenta na ponta da foice a serpente febril,
comandando, comendo com os olhos
o bando das carnes todas em convulsão...

 

 

 

 




Do dia para a noite

os dedos do girassol cresceram

em torno a minhas grades bem lapidadas.

 

Gaiolas ao vento violento,

bater de portas e portinholas,

o único copo se quebra em quatro cacos...

 

Num turbilhão,

por entre as asas brancas

dos pássaros barulhentos em revoada,

 

senti que o meu cabelo se enrodilhava

e um ramo denso de espinhos

subia por baixo do cadafalso.

 

Tarde...

As tábuas de madeira rangem sob os pés

e no já um turvo instante por séculos rodopia...