quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Casas

Flora, pensativa:
- Mãe, por que na casa do JG tem papai e mamãe e aqui em casa só tem mamãe?
- Porque o pai e a mãe dele ainda namoram e gostam de morar juntos. A sua mãe e o seu pai já não namoram e vivem cada um na sua própria casa.

Dias depois:
- Mãe, quem é aquele moço? É o irmão da Célia?
- Não, é o marido dela, pai do Felipe.
- E por que a Célia não mora aqui?
- Porque ela mora com o filho dela e o marido. Ela só trabalha aqui.
- E por que o marido da Célia não compra uma casa só pra ele?

Diálogo pela janela


O terapeuta. Escultura de René Magritte, 1967.


Francisco:
- Moço, moço! Qual o seu nome?
- Antônio.
- Hum... O senhor tem mãe?
- Tenho. Quer dizer... Tinha!
- E qual o nome da sua mãe?
- Maria.
- O senhor tem cachorro?
- Tenho!
- Mostra o seu cachorro pra mim.
- Olha aqui. (O homem ergue dois cãezinhos peludos).
- Que bonitos!
- Rs.
- O senhor tem guarda-chuva?
- Ahahahahah!

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Enigmático Noel

O Papai Noel que vimos este fim de semana foi o mais convincente de toda a minha vida. Provavelmente uma exigência do controle de qualidade. Não entendi de primeira porque parei de frequentar o ambiente natalino juntamente com o circo. A Flora mesma, de longe, notou: "- Mamãe, não é máscara, não. A barba dele é de verdade." Deve ter sido por isso que ela não quis se aproximar. Já o Francisco foi lá, trocou palavras e ganhou balas para ele e para ela. Ela ficou olhando de longe, desconfiada. O outro voltou eufórico: "- Fóla, ele perguntou se eu quero ganhar presente no Natal." "- E você, disse o quê?" "- Eu disse que não." Diante da negativa inédita, Noel nem sorriu. Mudou de script e fez perguntas de outra ordem; várias; parecia ter fumado um baseado. Francisco ficou à vontade, respondia a tudo com um respeito leve, comum entre iguais.

Enquanto isso a fila dos pagantes de fotos a quinze reais (nós éstávamos do lado dos apenas curiosos) crescia. Um garotinho chorava de medo, tendo de ser consolado pela mãe. A mim, Noel nada perguntou. Ou então eu me inclinaria e sussurraria ao pé do seu ouvido: "- Papai Noel, me dá o filme novo do Almodóvar, me dá férias de mim mesma, um orgasmo múltiplo, a paz de espírito; me dá pelo menos o espírito...

Noel podia ter de trinta a cinquenta anos. Era impossível saber ao certo, sob a roupa pesada, mas tinha uma cara de muitos divórcios - e não tirava os olhos de mim. Também parecia triste. Melhor: entediado. O dia todo sentado num sofá, recebendo crianças para a foto de quinze reais... Achei-lhe a expressão encantadora, apesar do cansaço aparente - ou por isso mesmo. Não havia caras, nem bocas, nem cena alguma. Ele não aguentava mais, seus olhos ansiavam por outra paisagem... Ele (talvez por ser um papai-noel-modelo, subespécie tropicapitalista) não sorria nem acenava (obviamente não era pago para isso), mas sustinha a pose de foto, antes mesmo que as crianças se aproximassem. E não tirava os olhos de mim.

No nosso retorno, que tivemos de retornar ainda duas vezes, por insistência do Francisco, Noel me entregou um cartão com celular e e-mail, sendo repreendido veementemente pelo fotógrafo, que, embora coberto de razão, não devia tê-lo feito diante de nós. E, afinal, isso acontece. Eu mesma, coordenando mesa de comunicações, deixei que o Henrique Lee falasse por meia hora, sendo que teria de tê-lo feito parar aos quinze minutos!

Tive curiosidade pela inscrição do cartão. Imaginei que ele se anunciasse Papai Noel... Mas não. Ali estava somente o nome terreno do curioso barbado. Que serviços ofereceria? Aceitaria me entrar em casa à noite, pela chaminé, fazendo how how how para as crianças em meio à ceia? Olhando aqueles botões de chifre, impossível afastar um leve fetiche... E ele não tirava os olhos de mim.

Vendo-o depois pelas costas, afastando-se em direção à praça de alimentação e escoltado pelas duas Mamães Noel quase bonitas, eu o achei verdadeiramente enfastiado. Almoçou bem perto de nós, hipnotizando as pessoas em torno enquanto saboreava comida árabe e suco de laranjas. Por fim aproximou-se da nossa mesa, mexeu com as crianças. Correu-me o corpo um arrepio. Seu olhar de repente me pareceu estranhamente familiar. Mas tranquilizei-me: tinha as grandes mãos muito brancas, talhadas em escritório e diferentes das de um assassino.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Brincar de poeta

 
Depois de ouvirem o Waldo Motta declamando...
- Mamãe, vamos brincar de poeta?
- Como é!?
- É assim: eu sou a monstra sagrada e você é a bicha papona!

sábado, 17 de dezembro de 2011

Orfanato

Brinquedos. Foto: Andréia Delmaschio.

- Mãe, pra quem são esses presentes?
- Pras crianças do orfanato.
- E por que você vai dar isso a elas?
- Porque elas não têm pai nem mãe pra lhes comprar presentes.

Longo silêncio - e a expressão mais fundamente comovida que já vi no seu rosto:
- Então eu quero que você seja mãe delas!

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Procustos ou O paradoxo do excessivo afeto

No meio da noite os gêmeos acordam e vão para o meu quarto.
Buscam calor e aconchego.
Nas noites em que acontece de irem os dois ao mesmo tempo
eu os deixo e vou dormir no quarto de um deles,
por não cabermos todos na mesma cama.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Brincar

Candido Portinari: Cambalhota.
- Eu gostei do tio Célio.
- Gostou? Por quê?
- Porque ele sabe brincar de tudo!

Presente 2

- Mãe, me leva numa reloja!?
- Reloja?
- É, eu quero comprar um presente pra você.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Desenhando 2

Gaughin ao cavalete: autorretrato.


- Mamãe, você acha que eu sou um bom desenhor?

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Namorado

Em meio à conversa com uma amiga, desponta o tema, as crianças muito atentas ao que dizemos - como sempre. Pergunto então, como meio de fazê-las participar:
- Vocês também acham que a mamãe deve arranjar um namorado?
Flora em silêncio total, pensando.
Francisco, rápido e risonho: - Siiim!... Eu!

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

A rena

- Gostou do passeio, meu filho?
- Gostei!
- E de que foi que você gostou mais?
- Da máquina de chifres!

Domingo, seis da manhã

Às seis da manhã eu ouvi, vindo do quarto da Flora:
- Eu tive uma idéia!
Fiz silêncio, na esperança de que estivesse falando de dentro do sonho... E veio de novo, na mesma modulação suave e clara:
- Eu tive uma idéia!
(Dos dois, ela foi quem considerou mais fundamente o meu pedido de que parassem de aportar na minha cama de madrugada, porque daí para diante eu não consigo dormir, a três. Agora, quando ela acorda primeiro, permanece no quarto. E abre gavetas, troca de roupa, fala pelas bocas dos seus fantoches. Depois, quando se enfastia - eu ouvindo tudo e tentando dormir de novo -, chega até a minha porta, onde estaciona e pergunta):
- Posso entrar?...
Quem é que pode manter-se firme diante de um pedido feito assim? E estou certa de que, caso respondesse negativamente, ela não entraria, pelo amor que já parece trazer às coisas previamente acertadas. Aliás, nunca adiantou esbravejar com ela no calor da hora e depois do mal feito - como parece não resolver mesmo com criança alguma. A regra claramente combinada, contudo, para ela é lei - muitas vezes mais do que para mim, que fiz a proposta.
- Vem cá, meu amor! (Ela me abre os braços e o sorriso). Qual foi a sua idéia?
- A gente podia brincar de pique-esconde!

Natal em Vitória

Dennis Collette: Pinheiro.


As ruas de Vitória foram enfeitadas, como sempre o são, nesta época do ano. Na Dante Michellini as estrelas são feitas de bicos de garrafas plásticas incolores, e têm dentro uma lâmpada. Puro e simples. Econômico e ecológico. 

No banco de trás conversam Flora e Francisco, olhando tudo e lançando gritos agudos quando veem mais um enfeite, que eles chamam de "um Natal". "Olha lá um Natal!"; "Outro natal!"; "Um Natal azul!"...
Seguimos em direção a um Shopping Center, para a sua primeira e tão protelada visita ao gigantesco totem.
A Flora lança, então:
- Francisco, agora eu vou fechar os olhos e você me diz se continua vendo o Natal.
- Tá bom...
- Fechei. Está vendo?
- Não, porque eu fechei também!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Árvore de Natal

Eu realmente sou uma pessoa difícil: não gosto de circo, não como frituras, não suporto enfeites de Natal...

Mas o Francisquinho pedindo que enfeitássemos o arbusto que fica ali no hall do elevador foi realmente comovente. E ele tinha razão na sua argumentação: os enfeites agora são todos de plástico (e isopor). Não se corre mais o risco de cortar as mãos nas finas lâminas (de que material?) que compunham as tais bolas na minha infância, tornando as árvores de Natal algo intocável.

Comprei os pacotinhos super-baratos, com bolinhas de isopor revestidas de linha e presentinhos miniatura, também de isopor, enrolados em papel laminado verde e vermelho, amarrados com lacinhos dourados. Mais um papai Noelzinho de plástico e umas borboletas levíssimas que eu não sabia fazerem parte desse contexto. E tenho de concordar: tudo muito bonito!

A nossa "árvore", herança do antigo morador, suicida potencial e matricida, tem os troncos meio retorcidos. Pensei: vamos ter um Natal do cerrado!

Por azar, os enfeites vieram sem o gancho de pendurar - talvez por isso o preço baixo! Tive de improvisar tudo na hora, com grampos de papel, em meio à excitação do Francisco e à compenetração assustadora da Flora, silenciosa como sempre fica em situações que demandem concentração ou que lhe tragam grande novidade. Encarnou uma decoradora, atenta às minhas dicas de que um enfeite não ficasse muito perto do outro e de que tentássemos distribui-los igualmente por todo o arbusto.

Mas o afeto pode mesmo salvar muita coisa: quando terminamos, até a Célia estava emocionada com a beleza simples daquela árvore tão desejada!

A Flora:
- Mamãe, faltou a estrelinha de Natal! Você compra uma estrelinha?
- Compro!

E o Francisco - que nem se envolveu muito com a decoração em si, basicamente rodando em torno e observando atento, os olhos brilhando enquanto buscávamos o melhor lugar para cada uma das cores:
- É a árvore de Natal mais bonita que eu já vi!