quarta-feira, 7 de abril de 2010

Palimpsesto



Por entre portas decepadas
e camas de pontacabeça
a tristeza é indisfarçável.

Numa casa em reforma
as cicatrizes todas vêm à tona:
noites mal dormidas,
noites bem dormidas...

Solidão aos pares
e, logo, logo, a três,
a quatro -
tudo se acresce
de um pó finíssimo
que penetra a alma,
insuspeitada,
aparentemente inexistente
no turbilhão
que a rotina desvairada
antes compunha.

Em meio a caixas de pisos e revestimentos
as dores não se organizam.

Sob todas as camadas de tinta
persistem nomes rabiscados, nódulos antigos.

A água penetra pelas frestas,
expondo reentrâncias agudas,
e as lembranças assombram
com sua autonomia,
feito um cadáver - já esquecido - que

de repente

assoma nas águas tranquilas.

Se uma das paredes desabasse agora,
não seria maior o desastre...

Uma casa não é o seu contorno,
muito menos o seu conteúdo.

Uma casa é o vácuo
que suga para sempre
os seus habitantes.

2 comentários:

  1. Lindo o texto.
    Acho que por estar fora da minha rotina desvairada essa poesia caiu como uma luva.
    Ou de alguma forma consegui me por em seu lugar com lembranças edgarallanpoerianas e sentimentos augustodosajescos.
    E confirmando uma peça que vi faz tempo na universidade: somos sós.
    Talvez o melhor seja peroá frito,pimenta, cerveja gelada com caipirinha (com amigos rs).
    Mais uma vez: Lindo!

    ResponderExcluir
  2. É... acho que nenhum peroá frito pode cobrir o vácuo no estômago logo após um soco da solidão... mas, sim, sim... lindo, lindo... sutil, delicado, simples, direto, simbólico, poético, do cotidiano ao universal, do microespaço à galáxia, isso é poesia, pra mim... feita de palavras, que viram idéias, sensações... mas para sempre o salto pela palavra... a palavra articulada... poesia... há quanto tempo vc não escrevia uma. Aliás, essa é a primeira do blog. Não sei se conhece, mas dá uma olhadinha no google: Eduardo Tornaghi. Um bom poeta... alguma coisa em vocês se encontram... Beijos. Te amo!

    ResponderExcluir