quinta-feira, 7 de julho de 2011

Sete de julho

Vincent Van Gogh: Noite Estrelada, 1889.


Naquele dia eu me perfumei como se fosse me encontrar com um cego. É a única coisa de que, com certeza, me lembro. O resto - inventarei.

Havia no céu, do lado do Norte, umas nuvens escuras que a princípio não tomei em conta. Seguia sem meias ou luvas. O vento de inícios de julho principava a rachar os lábios, mas eu seguia, aquecida ainda pela lembrança do vinho.

Quando cheguei próximo ao local marcado, umas meninas que jogavam amarelinha fugiram de mim - quiçá por timidez, considerei.

Conforme eu me afastava do carro estacionado, percebia que o céu carregava um pouco mais. Lembrei que as crianças tinham pedido bolachas. Provavelmente não apanharia aberto o mercado.

Cheguei ao costão. A série de penhascos parecia ter sido amontoada a um canto pelo vento. E sempre fora assim. A vegetação definhava sob o sol ainda quente. Quando criança, eu contemplava aquela mesma paisagem toda vez que fugia de casa para não ter de ouvir os rugidos do velho. De repente escutei um eco da sua voz, preso por quatro décadas entre as pedras da enseada. Lá embaixo as ondas batiam fortes - quem deixaria uma criança brincar ali?

O celular ficara no carro. Tendo chegado contudo pontualmente ao encontro, comecei, aos poucos, a impacientar-me com a demora. O vale verde agora semelha um pântano. Acontece sempre que alguém me fere: a paisagem é a primeira a se transformar.

O frio recrudesceu, as nuvens se aproximaram. Achei melhor me abrigar no carro e, assim que entrei, as gotas caíram em profusão. A única cura para o sofrimento é sofrer.

Devo ter esperado meia hora, mas o tempo, depois que se dilata, a primeira coisa que nos leva é justo a noção de tempo. Posso ter passado ali apenas um minuto - ou um ano, um ano e meio...

Quando retornei a mim havia manchas no dorso das mãos e pequenas mechas brancas sobre as têmporas. O espelho retrovisor não mente jamais; por isso aquela história de não olhar através dele... A verdade talvez não dói, mas tira o sono e nubla os dias.

Sempre gostei de ver a chuva escorrendo pelo vidro - é um modo de chorar sem ser notado.

A estrada de terra estava repleta de poças de lama. Quando enfim dei a partida, vi-o chegando, o passo lento, o olhar muito distante...

Passei por ele devagar, receando lançar a água da chuva na camisa branca. As crianças teriam seu lanche.

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