segunda-feira, 3 de outubro de 2011

No meio da noite

Na mesma idade que têm hoje os meus filhos, do mesmo modo e com a mesma frequência que um deles, eu sempre corria, no meio da noite, para a cama de minha mãe e, até onde consigo me lembrar, a sua índole diurna por vezes irritadiça, à noite, mesmo depois de um dia exaustivo ao pé da máquina de costura e das clientes, invariavelmente chatíssimas, assim como também já me pareciam, naquela época, os assuntos que se propunham discutir (cor, textura, trama, modelo, caimento), jamais foi alquebrada por um grito de rechaço à criança amedrontada que eu fui, ou por qualquer outro rasgo de impaciência diante da minha insônia precoce.

Não digo que fosse uma santa resignada; nem que devotasse aos filhos uma cota infinda de atenção. Ao contrário: estou certa de que lutavam nela - que antes de ser mãe era uma pessoa, e mulher - tanto a necessidade cruciante de suprir a nossa subsistência quanto a ânsia por alguma liberdade da sua difícil condição.

No entanto, no meio da noite, a sua voz firme e tranquila, vinda do escuro insondável do quarto, abatia monstros e fantasmas. Sua cama era uma fortaleza contra os demônios do pesadelo. Aconchegada ao calor do seu corpo, eu um dia fui imortal. Dali, nem deus nem o diabo me arrancariam. O seu hálito doce abria um halo onde eu fruía a calma e a certeza de uma noite inteira de sono suave e profundo.

Essa sua delicada firmeza em me atender sempre com paciência, no meio da noite, não me curou completamente da insônia, que ainda hoje me faz companhia, mas criou como que um arcabouço psíquico para as noites de desespero.

Quando uma criança desperta, à noite, envolta em pavor, é preciso que o aconchego lhe chegue rápido e seguro. É possível que seja essa a única herança que deixarei, contra a moda psicológica do adultismo e da contenção. Nenhuma criança (ou adulto) que é assombrada pelo seu próprio inconsciente consegue usar o seu pavor como moeda de troca, manha ou pirraça - para sabê-lo basta olhar-lhe nos olhos. E ainda que fosse esse o risco, eu preferia corrê-lo. No meio da noite, jamais bramar. Basta a cada criança o seu próprio demônio.

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