segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Enigmático Noel

O Papai Noel que vimos este fim de semana foi o mais convincente de toda a minha vida. Provavelmente uma exigência do controle de qualidade. Não entendi de primeira porque parei de frequentar o ambiente natalino juntamente com o circo. A Flora mesma, de longe, notou: "- Mamãe, não é máscara, não. A barba dele é de verdade." Deve ter sido por isso que ela não quis se aproximar. Já o Francisco foi lá, trocou palavras e ganhou balas para ele e para ela. Ela ficou olhando de longe, desconfiada. O outro voltou eufórico: "- Fóla, ele perguntou se eu quero ganhar presente no Natal." "- E você, disse o quê?" "- Eu disse que não." Diante da negativa inédita, Noel nem sorriu. Mudou de script e fez perguntas de outra ordem; várias; parecia ter fumado um baseado. Francisco ficou à vontade, respondia a tudo com um respeito leve, comum entre iguais.

Enquanto isso a fila dos pagantes de fotos a quinze reais (nós éstávamos do lado dos apenas curiosos) crescia. Um garotinho chorava de medo, tendo de ser consolado pela mãe. A mim, Noel nada perguntou. Ou então eu me inclinaria e sussurraria ao pé do seu ouvido: "- Papai Noel, me dá o filme novo do Almodóvar, me dá férias de mim mesma, um orgasmo múltiplo, a paz de espírito; me dá pelo menos o espírito...

Noel podia ter de trinta a cinquenta anos. Era impossível saber ao certo, sob a roupa pesada, mas tinha uma cara de muitos divórcios - e não tirava os olhos de mim. Também parecia triste. Melhor: entediado. O dia todo sentado num sofá, recebendo crianças para a foto de quinze reais... Achei-lhe a expressão encantadora, apesar do cansaço aparente - ou por isso mesmo. Não havia caras, nem bocas, nem cena alguma. Ele não aguentava mais, seus olhos ansiavam por outra paisagem... Ele (talvez por ser um papai-noel-modelo, subespécie tropicapitalista) não sorria nem acenava (obviamente não era pago para isso), mas sustinha a pose de foto, antes mesmo que as crianças se aproximassem. E não tirava os olhos de mim.

No nosso retorno, que tivemos de retornar ainda duas vezes, por insistência do Francisco, Noel me entregou um cartão com celular e e-mail, sendo repreendido veementemente pelo fotógrafo, que, embora coberto de razão, não devia tê-lo feito diante de nós. E, afinal, isso acontece. Eu mesma, coordenando mesa de comunicações, deixei que o Henrique Lee falasse por meia hora, sendo que teria de tê-lo feito parar aos quinze minutos!

Tive curiosidade pela inscrição do cartão. Imaginei que ele se anunciasse Papai Noel... Mas não. Ali estava somente o nome terreno do curioso barbado. Que serviços ofereceria? Aceitaria me entrar em casa à noite, pela chaminé, fazendo how how how para as crianças em meio à ceia? Olhando aqueles botões de chifre, impossível afastar um leve fetiche... E ele não tirava os olhos de mim.

Vendo-o depois pelas costas, afastando-se em direção à praça de alimentação e escoltado pelas duas Mamães Noel quase bonitas, eu o achei verdadeiramente enfastiado. Almoçou bem perto de nós, hipnotizando as pessoas em torno enquanto saboreava comida árabe e suco de laranjas. Por fim aproximou-se da nossa mesa, mexeu com as crianças. Correu-me o corpo um arrepio. Seu olhar de repente me pareceu estranhamente familiar. Mas tranquilizei-me: tinha as grandes mãos muito brancas, talhadas em escritório e diferentes das de um assassino.

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