domingo, 24 de março de 2013

O gesto maquinal do adeus


Candido Portinari: Mulher chorando, 1944.
 
Meupai mostrou acima, do lado direito: Olha aquilo! Estávamos entre a praia e a selva, e a água vinha, incrivelmente, deste lado, e não daquele. Era uma onda gigantesca e chegava sorrateira por sobre as árvores. Percebemos logo que ela nos afogaria. E veio descendo da mata, trazendo troncos e ramos. Num platô lá em cima vi a moça num maiô preto, me acenando com uma expressão suave de quem não via a água. No instante derradeiro pensei sobre que gesto lhe faria de volta, talvez um aviso que sabia inútil, naquele último momento, a onda crescendo por detrás dela, pronta a desabar com força, arrastando tudo. Pensei em acenar com a mesma serenidade, preservando-lhe a alegria até o instante final e levando comigo, para o nada, aquele momento de graça ingênua em meio ao caos. Enquanto erguia a mão para o gesto maquinal do adeus, percebi a inutilidade daquele ou de qualquer outro gesto, ou mesmo de gesto nenhum, já que para nós não haveria a memória sequer de nada disto. Foi o instante em que tudo desabou e ao qual somente eu sobrevivi. Agora eu procurava alguém, farejando os escombros, escavando a terra com as unhas. Passei um dia inteiro gritando e auscultando o solo. A garganta já me doía de tanto gritar. Ninguém apareceu.

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