quarta-feira, 12 de junho de 2019

Angu de ossos

Primeiro se preparam os ossos, retirando-se todo o sangue e os restos dos filamentos de veias e nervos - e não precisa ser um processo consciente. 

A ossada pode proceder de qualquer animal, de qualquer tipo, e, às vezes, nem mesmo de um animal. 

Na maior parte das vezes, os ossos foram desenterrados, mas não se sabe. 

A camada de ossos deve ficar sempre bem escondida. Deve ser como se um cachorro tivesse tentado esconder esses ossos. Isso é parte fundamental da receita. 

Em hipótese alguma se deve olhar para o angu e ver um dedo ou uma ponta de joelho escapolindo da pasta amarelada - especialmente pontas de pé, dedos e cotovelos. Essas partes jamais devem aparecer.

Por cima da camada de ossos, arruma-se cuidadosamente o creme - denso - de fubá cozido. 

Nosso angu deve ser preparado com um pó sempre novo, renovado. 

Existem fubás mais escuros, amarronzados pela ação do tempo, ou porque se misturou muita coisa ali. Existe um fubá em que foi misturado, intencionalmente, um pouco de coloral, para disfarçar a palidez do milho. Muita maisena resulta numa liga mais clara e forte, mas não favorece o paladar. Melhores mesmo são os pré-cozidos, esses que se vendem em pacotes de meio quilo, de diversas marcas. 

É importante lembrar que meio quilo de fubá resultará numa cama de ossos agigantada. Portanto, seja cônscio: se não tem experiência com angu de ossos, cozinhe por partes, um pouco de cada vez, e vá juntando numa caminha à parte.

Mantenha a família distante nessa hora.

Não é um prato que demande muito tempero. No Espírito Santo, os descendentes de italianos preparam a polenta apenas com água e sal. Se você tempera, é angu à baiana. O angu à mineira não leva nem mesmo sal, e não há ossos que esconder ali. 

Que ninguém nos pergunte se o angu pode ser feito previamente.

Aliás, se os ossos têm existência prévia, o angu é feito para escondê-los. Nunca se ouviu dizer que alguém gerasse ossos para pôr sob o angu.

Não é porque há angu, que haverá ossos. E vice-versa.

Crianças devem ser avisadas sobre o recheio, porque o nosso prato, obviamente, semelha uma armadilha. 

É muito importante que, por fora, a aparência seja sempre a de angu: mole e suave.

Pode-se enfeitar com folhinhas de coentro. Alguns preferem arruda.

O angu de ossos será sempre servido quente, muito quente. Porém, às vezes, será devorado frio, muito frio.

Serve bem a duas, dez ou duzentas pessoas.

Bon appétit!



Nenhum comentário:

Postar um comentário