segunda-feira, 13 de julho de 2009

A pena

A cadeira foi deixada num canto da calçada, ali perto do terminal de carapina, metade no sol, metade na sombra... eu vi quando passei de carro para o trabalho. Na vizinhança ninguém mais a percebe, porque todos já se acostumaram à presença do seu aço frio e arranhado, de segunda mão, conseguida graças a um locutor de rádio a.m. E no segundo que durou o impacto do quebra-molas, vi inteiro o rapaz que a habita: foi vestido com sua melhor roupa: uma camisa branca, de mangas e gola duras, hiperlavada e passada, uma calça de tergal azul-marinho e um par de sapatos pretos, brilhantes. Ele espera. Há mais de vinte anos, espera. É a sua saída mensal para a consulta - um evento. E vai de transcol, acompanhado pela mãe idosa, caridosa, a vida toda dedicada ao único filho homem. A pele do rosto é muito branca, macerada pelo frescor da varanda da casinha simples, onde recebe na boca, dia após dia, o almoço e o jantar. As mãos são lívidas de tanto não tocar; ele não consegue articulá-las, viram-se sobre si mesmas, enrijecidas, e a cabeça pende completamente por sobre o feixe clair, simulando um narciso triste, obrigatório, a olhar eternamente para o próprio umbigo, sem opção. Com o pai nunca estabeleceu nenhum tipo de relação, porque não lhe foi dada a felicidade de poder falar, e dizer que tem frio, calor, que lhe dói a garganta, que está ouvindo, sim, os pássaros lá fora, que o som da televisão à noite é inoportuna, que a comida está muito quente, que a água gelada faz doer ainda mais a garganta, que o incomoda já há oito anos, que não gosta de ser exposto às visitas, que precisa de ar puro, que o banho de mar, aos três anos de idade, foi algo que nunca mais esqueceu, e que, se pudesse pedir, pedia outro, e mais outro, e outro ainda... Tenho pena? Devo ter pena. Os mais sensíveis não podem nem mesmo ouvir essa palavra. Não aprovam que se tenha pena. Ninguém gosta de ser alvo da pena. De nada ajuda que eu tenha pena.

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