sábado, 25 de dezembro de 2010

Noite feliz!

Uma estranha sensação me toma quando ouço pessoas adultas falando em menino jesus e anjo da guarda. Penso que no fundo devem estar caçoando. Não é possível que invistam sérios afetos em contos de fadas sem fadas e, principalmente, sem um enredo bem contado. (Deus)
 
O espírito natalino baixou ontem no morro aqui atrás. À meia-noite um manto de luz cobriu a todos e, como num passe de mágica, os casais em crise se reencontraram, os irmãos afastados se perdoaram, os vizinhos indispostos se abraçaram e cearam juntos, e logo fumaram o seu baseado na santa paz de deus e foram ouvir o funk do senhor gravado pela Facção de Jesus!

Só um tempo depois percebi que eram os primeiros relâmpagos do temporal que se formava e que inundou a avenida, cujo sistema de escoamento há muito anda comprometido.

Até a dona Conceição, que tinha sido espancada pelo companheiro anteontem mesmo, perdoou. Quase pude vê-la apanhando (perdão pelo verbo e pelo nome dela) na estante da sala o vinil da Simone, para ouvir novamente, depois de um ano: "Então é Natal!...".

Mas a sua cara não está nada boa. Lógico, ninguém se desdeprime antes que o roxo desapareça do olho.

Por falar nisso, na arara do supermercado vi a capa de uma revista: "Reapaixone-se: a solução para o tédio do casal em uma semana". Nessa série, o último de que ouvi falar era o livro Transforme seu marido em seis dias, cuja promessa da sinopse não lembro bem, mas acho que era sexo, amor, companheirismo e cumplicidade de volta - como na lua-de-mel.

Aguardarei um pouco mais. Dado o atual avanço da ciência e da tecnologia, não demora essas coisas se solucionarão muito rapidamente e, assim como tínhamos até há pouco Excel em 24 horas e Derrida em 90 minutos, em breve teremos Salve seu casamento em meia hora ou Descubra se ele é o homem ideal em 15 minutos.

Retornando à Natividade... Todas as mazelas, as dores, as desgraças, toda mentira e traição, a violência, o desamor, o abandono, a miséria, a cobiça, a doença, o desespero, a inveja, os ciúmes, as dúvidas, as dívidas, tudo desaparece como num toque de mágica nesse dia especial. Especialmente quando coincide de a virada do Natal cair na noite de sexta para sábado.

Claro que lamentavelmente há exceções. Conheço duas senhoras hipercatólicas que deixaram de se falar há quinze anos, e justo por ocasião do Natal, sob o som do Jingle Bells e o entrechocar das nozes!

Mas isso é porque o catecismo não lhes foi bem inculcado, ou então elas teriam aprendido que o valor maior para um cristão é o amor ao próximo, e que o ato do perdão é a sua grande demonstração.

Enfim, não se falam. Mas com certeza se lembram uma da outra nas suas orações, porque ambas eu sei que rezam para comer. Quero dizer: as duas realizam em voz alta os seus votos a todos os necessitados do mundo, diante do peru assado, antes de darem, altivas, o sinal para o ataque da família famélica, à meia-noite.

Se eu mendigasse, chegaria a um desses lares enfeitados de luzes coloridas justo à hora da virada, na noite de Natal, a ver se garantia o meu quinhão da fina iguaria! Pode ser que, diante do constrangimento e dos olhares perplexos de crianças e meio-estranhos recém-agregados, deixassem mesmo que entrasse.

Inclusive porque percorre o imaginário a idéia de que na noite de Natal o Cristo em pessoa, disfarçado de mendigo...

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