terça-feira, 1 de novembro de 2011

Encontro com Chico Buarque (1/6) ou Ludo real

Cícero Dias: Mulher sentada com espelho.

Sendo provável que nos sonhos as vozes venham dubladas. (Chico Buarque)


Encontrei o Chico Buarque no Rio. A princípio achei que fosse impossível. Telefonei para o número fornecido pelo curador do site e o próprio Chico atendeu. Reconheci a voz com dificuldade e medo de chamar algum assessor de “Chico Buarque!?”, de parecer ingênua. Eu já estava indo para a rodoviária, pegar o ônibus de volta para Vitória, telefonei de dentro do táxi. Conversamos alguns minutos e eu expliquei que fazia tese sobre os seus romances. Ele brincou, dizendo que a revista Veja também escrevia sobre os seus romances, jogou logo um balde de gelo, mas me mantive firme. Rimos um pouco e ele disse que o Wagner já tinha lhe falado sobre mim. Eu não podia perder aquela oportunidade. Então propus, com muito jeito, que conversássemos, futuramente, porque, já que eu estudava a questão autoral, e que no meu trabalho ele próprio era uma personagem, seria interessante que constasse dos meus relatos também uma entrevista, caso ele não se opusesse. Ele topou, disse que tinha livre o fim da tarde e eu senti um torpor nas pernas, não pensei que um assentimento viesse tão rápido. Deixei que ditasse o endereço do restaurante e fui anotando na própria passagem que trazia na mão, com uma letra trêmula que deu medo de depois não entender direito, que eu não conheço tão bem o Rio. Desliguei o telefone e respirei fundo. O motorista perguntou se eu ia me encontrar com o Chico Buarque e eu nem respondi direito. Estava meio atordoada, achando que ele tivesse me passado um trote. Só me faltava esta: um trote do Chico Buarque. Não fui à rodoviária tentar adiar a passagem, voltei direto ao hotel para tomar um banho e recuperar a serenidade, combinando já com o chofer a mudança de planos. Eu tinha três horas para ficar apresentável, seria apanhada às quatro. A recepcionista com quem, poucas horas antes, quitei as diárias, riu divertida e com naturalidade, como se já me esperasse, quando me aproximei dizendo que ficaria com o quarto mais um dia. Parecia acontecer a todo momento. Subi com a bolsa, pensando em que roupa vestiria, o que diria ao Chico Buarque. Confesso que quase desisti, o medo me empurrando para trás e uma alegria nervosa para diante. Tomei um banho morno, vesti a saia azul de florzinhas, blusa e sapatilha brancas, e ousei pôr o chapéu azul que só tenho coragem de usar no Rio. Naquele momento, ser incógnita na cidade me encheu de alegria e a minha profunda timidez foi se afastando aos poucos. Me achei mesmo bonita quando passei pelo espelho do corredor do hotel. Fui sem perfume, sem batom, a boca vermelha, afogueada ainda da surpresa.

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