sábado, 31 de julho de 2010

Nos nós (parte 11)

Depois de alguns dias ali, perdida já a noção das datas, tive as mandíbulas imobilizadas pela descoberta de um deslocamento. Uma terceira mulher me trouxe a caderneta onde poderia anotar os meus pedidos. Lembrei-me das intermináveis listas de compras que a mãe adiava, pendentes da porta da geladeira. Dos telefones que o pai riscava nas paredes, para um caso de urgência. E dos poemas que publicavam nas contracapas das revistas.

Iniciaria eu mesmo a minha lista, uma pessoa tão frágil que quebrasse os dedos quando pegasse nas suaves, levíssimas coisas, e fosse deixando, mais que as impressões digitais, a pele - nos cantos das mesas, nas capas dos livros, nas cigarras dos apartamentos, nas pontas dos cigarros, nas pontes, nos carros, nas portas corrediças, nos corrimões dos corredores, nas corridas de táxi, nas colunas dos jornais, nos cais, nos cacos, nas xícaras, nos corpos, nos lacres, nos leques, nas luvas, nos vivos, nos uivos, na vulva, nos ovos, nos nós, nos sóis, nos sós, nos ós.

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