terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Frankenstein (parte 1)


Estava começando o show de fim de ano do frankenstein na tevê quando tocou o interfone. Se tivesse acontecido quarenta anos atrás, ainda não teria sido instituído o tal show de fim de ano, claro, a emissora recém-criada. E eu estaria nas fraldas (de pano), deitada num berço improvisado no quarto úmido da palafita. A última reforma ortográfica (penúltima, agora) estaria próxima de acontecer. Obviamente as palafitas não tinham interfone - até hoje não têm. É apenas por um vício de estilo que se constrói uma frase como essa, já que a ausência de interfone, nessas circunstâncias, não indica nem uma necessidade, porque as necessidades são de outra ordem. Nos bairros erguidos sobre o mangue as moradias são tão próximas que não é preciso gritar para ser ouvido pelo vizinho. Por isso também não existem: a visita, o convite, o sino, a campainha ou o interfone, ahahah! Mas mamãe, castelense-quase-cachoeirense-recém-migrada-de-são-gabriel-para-tabuazeiro-e-de-lá-para-a-pedra-do-búzio-portando-como-enxoval-uma-caixa-de-sabão-e-um-cão-vira-latas, provavelmente estaria ouvindo no radinho de pilha a voz do mesmo frankenstein, então apenas criado, talvez ainda sem uma perna; melhor (ou pior): talvez ainda com uma perna - e sem nome. O fato é que tocou o interfone...

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