terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O panfleto

Picasso: Frankenstein.

Recebi o panfleto no sinal, das mãos de uma moça gordinha, nariz fora do lugar. Era uma tarde sinistra: bateria arriada, calor de quarenta graus, um trânsito tipicamente capixaba, ou seja, com as faixas lenta e rápida nos lugares inversos, e obras por todos os cantos da cidade. Mas ali se desanuviou a feia paisagem que trazia comigo. Desopilei o fígado, como diziam os antigos. No folheto, a foto de um homem jovem, nu da cintura para cima, bronzeado, olhos claros e cheios de um falso desejo. (Ou será falso todo desejo, num tempo em que se é obrigado a desejar?) No verso da folha, por óbvia carência idiomática e completa inexperiência em marketing, enfileirava-se verticalmente, sem aviso ou tempo para abafar o riso, uma lista de itens, cada um seguido de seu valor. Assim: buço - 10 reais; queixo - 12 reais; nádegas - 20 reais; virilha - 20 reais; braço - 30 reais; perna - 40 reais; tronco - 50 reais. Irrompi em alta gargalhada, para tristeza insuspeitada da panfletadora, a quem quase pedi desculpas. Depois pensei em comprar um tronco novo, quem sabe! O preço estava ótimo! O sinal demorava em abrir, mas o inferno agora tomara outra feição, menos trágica. Como quando é bom o filme de terror: naturaliza-se toda e qualquer outra desgraça. No rodapé, em letras quase ilegíveis, a frase que deveria ter encabeçado a propaganda: Depilação a laser - promoção imperdível!

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